quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Faltou arrojo a este outono


                                                         Obra de Brad Kunkle

Não me fica bem este rio embrumado.
Nota-se escorrendo de minhas faces pálidas.
O vermelho desbota-se no pregueado.
Marcas perenes de noites outrora cálidas.

Vestiu-me esta noite de folhas em recorte.
O sorriso, este sorriso iluminado,
acrescentou-o o sol ao seu fino porte,
num amanhecer pálido e envergonhado.

Procuro o rosto dos sentidos outonais.
Mas cega àqueles indícios subversivos
que, vós, sábia natureza aclarais,
toldam-me somente de uivos compulsivos.

Perdi-te num intenso sonho diluvial
vergastado  pelos deuses da intempérie
ainda não sei se foi providencial,
um outono assassino de almas em série.

Por entre veredas selvagens e estreitas,
quotidiano sem poética visão,
carecem as utópicas cores escorreitas
Um outono velho, tímido de emoção.

Onde pára a natureza que me encantava,
o colorido de telas inconfessáveis,
as encostas macias onde te afagava,
os leitos floridos de segredos palpáveis?

Sei que a resposta está na espera tranquila.
Na paradoxal ânsia de alma intranquila.
Os tons outonais ficaram presos nas filas.
Ergue-te! Faz-te tela nas minhas pupilas!

OF, 24-09-14

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Declinando aplausos

Obra de Vincente Romero

Tardava-se nos pormenores. Vinha-lhe sempre à ideia aquela frase “Sorria, está a ser filmado” e, de facto, nunca saberia em que filme se poderia encaixar. O papel podia ser um qualquer. Só precisava de empenho. Afinal quantas personagens assumiu na sua vida! Reais, imaginadas ou representadas frente ao espelho que estivesse mais à mão. Melodramática, diva da canção, dançarina sedutora, tendo apenas como coreografia o seu próprio nu… Ritual de confiança, incógnito. Fora deste espaço, seria apenas mais uma, no recato que lhe fora atribuído. Por outros. Entalada e enlatada, fazia parte da engrenagem societal. Mas, no invisível do seu ser, soltava demónios que ofuscavam ou talvez fosse culpa dos tais pormenores.
Segura, decidida, tomava decisões num ápice. Fazia acontecer, numa simultaneidade de tempos e espaços, ações que lograram o respeito pela instituição que dirigia. Adrenalina, no seu estado mais puro. Perfecionista, para uns, prepotente, para outros… ora, a verdade é que havia um clima organizacional pautando as suas atitudes pelo respeito que cada um merece.
(…)
Contudo, a distância temporal desobriga-nos. Olha-se de novo para o espelho de outros ângulos, onde a luz assume a sua força na fragilidade de um corpo que vai acusando marcas.
Continua segura, decidida. Tem consciência dos seus momentos. E daqueles em que marca encontros a sós, sentindo todo um palco  dentro de si. E dispensa aplausos…

Odete Ferreira, 18-05-2014 

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

No céu da minha boca



Pintura de Isabel Alfarrobinha 

Na ubiquidade do teu ser laranja
sumo escorrido que sara feridas,
cinjo num olhar fugidio
múltiplas faces figurativas.
Tela fugaz, memória,
momentos de glória
no céu da minha boca.
Amorangados
alaranjados
acerejados,
tons pincelados
pela fúria de beijos.

No céu da minha boca
floresce um campo novo
sabores ainda no mosto
sumo de ondas de um sentir bravio
dissolvido na areia intumescida
espuma de espasmos que sinto
na maçã que trinco…

OF -  27-01-14