terça-feira, 20 de agosto de 2013

Encontros e Desencontros


Houve um tempo
para lá da linha do horizonte
(linha que me desalinha
a perceção do real)
onde fazia o estendal
de peças que arrancava de mim.
Desconstruí-me
na secreta esperança
de um encontro sobrenatural.

Dedos mímicos
desenhavam caminhos
por entre estrelas esmorecidas,
penosas do meu penar.
Vazia de corpo, minha alma
ansiava alimento de brilho solar,
vestes de deusa lunar…

Mas num cosmos perfeito
erradica-se o ser imperfeito
cuja insanidade
mora no peito…

No desencontro é que me encontro,
estado antitético que me equilibra.
Os encontros e desencontros
fazem-me emergir de momentos enfadonhos…
OF, 24-07-13  
Foto – Autor desconhecido

terça-feira, 13 de agosto de 2013

O aprendiz de palavras



“Estou apaixonado” – gritava a plenos pulmões o jovem sentado em pedra de xisto afunilando o sopro com as mãos, em côncavo ângulo, tal como fazia em menino, quando interrogava sobre o seu destino os montes que lhe sorriam ao vê-lo chegar, cantarolando canções por inventar.
“Estou…ou…ou apaixonado…ado…ado”, devolvia o eco que lhe beijava os ouvidos, afagando-os, retendo esse som como se estivera num daqueles concertos que via anunciados na televisão e, não podendo assistir, decorava o anúncio, reproduzindo-o mentalmente ou declamando-o para o rebanho que, por vezes, apascentava em dias que a escola lhe dava folga.
Do grito e do eco fez parceria, um dueto – aprendera nas aulas de educação musical – e, pouco a pouco, fazia nascer em ritmo rap rimas das palavras que, fazia questão, de aprender e apreender o sentido em cada dia da sua vida. Era um objetivo que cumpria escrupulosamente, elegendo como interesse primordial esse jogo, apesar de condescender ao grupo de colegas e amigos que o acotevelavam e lhe diziam “Vamos, o campo da bola está livre…”.
Saía, então, do único espaço em que era ele apenas e as palavras, o mundo encantado que lhe provocava arrepios de prazer. “Ainda me hei de vingar, seus desmancha prazeres. Um dia começarei a escrever as palavras nas folhas que restarem dos cadernos. Hei de brincar com elas. Quando estiverem suficientemente maduras, como os frutos a desprender-se da mãe árvore, colho-as e faço poemas em forma de bola. Preencho todo o campo e sereis obrigados a entrar no jogo das palavras”. Ria-se baixinho, antecipando um cenário do filme que havia de ser a sua vida.
(...)
Os outros? Achavam que ele, nesses momentos, estava a ter um ataque invisível. Mas ele era imprescindível no jogo! Tornava-o mágico. Ganhavam sempre. E sem saberem porquê viam nele uma espécie de profeta.
(…)

Odete Ferreira, 13-01-13
Foto – Odete Ferreira

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Soneto de mim



Se eu quisesse sentir-te na clareira,
desnudada em noite de lua cheia,
viria apetitosa à tua beira
e dizia-te o que escrevi na areia.

Se eu te pedisse que me amasses,
com toques de seda do oriente
e no desaguar do teu mar me deixasses,
viria alada em sela imponente.

Soltaria os cabelos entrançados,
enfeitava-os de amoras silvestres,
aspergia-me com água de rosas.

Se sinto teus lábios adocicados,
repelo a saudade destes sentires
e represo nossas bocas desejosas.
OF, 10-06-13 
Foto – Autor desconhecido