“Estou
apaixonado” – gritava a plenos pulmões o jovem sentado em pedra de xisto
afunilando o sopro com as mãos, em côncavo ângulo, tal como fazia em menino,
quando interrogava sobre o seu destino os montes que lhe sorriam ao vê-lo chegar,
cantarolando canções por inventar.
“Estou…ou…ou
apaixonado…ado…ado”, devolvia o eco que lhe beijava os ouvidos, afagando-os,
retendo esse som como se estivera num daqueles concertos que via anunciados na
televisão e, não podendo assistir, decorava o anúncio, reproduzindo-o
mentalmente ou declamando-o para o rebanho que, por vezes, apascentava em dias
que a escola lhe dava folga.
Do
grito e do eco fez parceria, um dueto – aprendera nas aulas de educação musical
– e, pouco a pouco, fazia nascer em ritmo rap rimas das palavras que, fazia
questão, de aprender e apreender o sentido em cada dia da sua vida. Era um
objetivo que cumpria escrupulosamente, elegendo como interesse primordial esse
jogo, apesar de condescender ao grupo de colegas e amigos que o acotevelavam e
lhe diziam “Vamos, o campo da bola está livre…”.
Saía,
então, do único espaço em que era ele apenas e as palavras, o mundo encantado
que lhe provocava arrepios de prazer. “Ainda me hei de vingar, seus desmancha
prazeres. Um dia começarei a escrever as palavras nas folhas que restarem dos
cadernos. Hei de brincar com elas. Quando estiverem suficientemente maduras,
como os frutos a desprender-se da mãe árvore, colho-as e faço poemas em forma
de bola. Preencho todo o campo e sereis obrigados a entrar no jogo das
palavras”. Ria-se baixinho, antecipando um cenário do filme que havia de ser a
sua vida.
(...)
Os
outros? Achavam que ele, nesses momentos, estava a ter um ataque invisível. Mas
ele era imprescindível no jogo! Tornava-o mágico. Ganhavam sempre. E sem
saberem porquê viam nele uma espécie de profeta.
(…)
Odete
Ferreira, 13-01-13
Foto – Odete Ferreira