Obra de Leonid Afremov
Sentou-se. Maquinalmente. Como a sua vida nos últimos tempos.
Desligada da mente. Um corpo que repetia gestos memorizados ao longo dos anos.
Só isso é que explicava a razão de ainda não se ter apercebido de olhares
estranhos. Talvez a estranheza fosse uma palavra que apenas ela discernia. Em
si. Não nos outros. Talvez o real pertencesse ao domínio dos matemáticos que
sempre engendravam fórmulas para demonstrar os impossíveis. Ela só sabia de
perceções. Um pouco de grandezas. De cores. De cheiros. Ah, de amor, sim –
acreditava – mas talvez fosse apenas mais uma perceção. E eram assim os seus
dias. E algumas noites. Cheias de muitas coisas e de poucas coisas. Nada de
substancial. Mas sempre com um Talvez a azucrinar a mente. Poderoso, este
advérbio. Sorrateiro, apoderava-se do leme e conduzia o barco a seu bel-prazer.
E a vida não tinha vida.
Talvez… Ou teria?
Odete Ferreira 24-05-15