Jornal Os Mirandelenses – Odete Costa Ferreira, escritora, poetisa.
Porquê?
Antes
de mais, esclareço: se tomasse a escrita como central na minha vida, diria que
não sou escritora, nem poetisa. Tomando-a como complemento essencial do meu
todo como pessoa, direi que escrever, em prosa ou em verso, me afirma como
escrevente, numa necessidade de comunicar e exprimir na palavra, (cultivando-a
e explorando a sua significância) a relação da minha interioridade com o que é
externo a mim, sejam as coisas, sejam as pessoas.
Jornal Os Mirandelenses – Desde sempre percebeu que o seu destino
era ser escritora?
Não, de todo! Aliás, não acredito no
destino, enqunto conceção determinista. O ser humano constrói-se, num processo
complexo, sendo a vontade, a curiosidade e o deslumbre, alavancas basilares. Se
algum destino houve, foi o de leitora, mais ou menos compulsiva, conforme as
exigências académicas e profissionais, sendo que, em ambas, se impunha ser
fluente nos diversos registos do uso da Língua Portuguesa.
Jornal Os Mirandelenses - De facto, considera que um livro é o
culminar de muita escrita e reescrita…?
Colocar em
livro o que se escreve, deve ser um processo exigente, traduzindo honestidade
intelectual e um enorme respeito pela língua e pelos leitores. O livro, em si,
pode não passar por um processo de reescrita (exceto qundo se trata do género
narrativo), mas de muita escrita, sem dúvida, e de reescrita prévia, quando se
trata de poesia; neste caso, também se exige seleção dos poemas, organização e,
quiçá, construção de uma narrativa poética coerente e, havendo engenho e arte,
de uma unidade interna e estrutura formal cativante.
Jornal
Os Mirandelenses - Como descreveria o
seu livro de poesia “UM CIBO DE NÓS”?
Eis a pergunta mais difícil, porque não
há um enredo , mas enredos e todos eles relevantes, isto é, cada estrofe ou
poema é portador de uma história, de uma mensagem, um cibo de um todo, que é o
“Nós”. É uma viagem do Homem e da construção da sua humanidade; do seu sentido,
do seu desiderato, enquanto ser coletivo. É,
também, a história do homem português, do transmontano, da sua vontade
de ir mais além, e temos a lusofonia presente; depois, unindo tudo, está
presente o eu poético, a relação com o mundo global, o coletivo, o NÓS, e a
expressão do seu sentir, mais dócil ou indignado, perante o seu mundo de mais
perto, o país, a região, a cidade. Um
Cibo de Nós está organizado em dez capítulos (I- Dos Partos; II-Dos Rostos;
III-Das Almas; IV-Da Minh´Alma; V- Das Dores; VI-Da Mulher; VII-Destes Tempos;
VIII- Do Coletivo; IX-Da Liberdade; X-Da Incerteza; Epílogo), elegendo-se, em
cada um, uma temática predominante; a transição e ligação entre eles é feita
por uma estrofe que retoma o anterior e prepara o seguinte. O epílogo é o fecho
da viagem, mas também pode ser o início de outra, a do leitor, por exemplo. A
organização do livro teve um propósito: se não editar mais nenhum, este é um
livro que representa, muito bem, as idiossincrasias da minha escrita poética.
Decorridos nove anos, após o meu primeiro, foi assim que me quis revelar.
Jornal Os Mirandelenses – Em termos de
realização pessoal como vê os comentários sobre o seu livro?
Como decorreram apenas duas semanas
entre o lançamento (29 de fevereiro, no Museu Armindo Teixeira Lopes,
Mirandela) e o confinamento, não pude contactar com a maior parte do público
que esteve no lançamento. Apenas me chegaram os comentários de leitores que o
adquiriram neste período. Contudo, para lá da prefaciadora e do editor, que
teceram rasgados elogios, registados no livro, devo dizer que me sinto
extremamente gratificada pelo respeito e apreço que têm verbalizado, quer
quanto ao conteúdo, quer quanto à sua organização interna. Sobretudo, dizem-me
que, chegados ao fim, queriam mais, tal o interesse que a leitura lhes
desperta.
Jornal Os Mirandelenses - A inspiração é
uma maldição ou um bem necessário?
Apesar de não gostar muito do termo
inspiração, no que ao ato criativo diz rspeito, direi que é um bem necessário.
A palavra é uma ferramenta agitadora de consciências. Não devia fazer parte do
ser humano a passividade com que, conhecendo, se ignoram verdadeiros atentados
contra o direito à existência como pessoa.
Jornal Os Mirandelenses – Os seus poemas permitem retratar-se na
sua máxima plenitude?
Lapidarmente, diria que uma significativa
parte deles o permite, sobretudo os que, a eles, consigno o meu pensamento face
ao mundo que me rodeia e minha posição face às suas problemáticas, notadamente,
as que envolvem qualquer tipo de ferida na dignidade humana.
Jornal Os Mirandelenses – Como também
escreve prosa, onde se sente mais à vontade?
O à vontade vem, sobretudo, do impulso
do momento e a forma como o quero exprimir; a par, está a disponibilidade
mental e o tempo que, nesse momento, tenho para escrever. Assim, tanto pode
surgir um texto em prosa, como em poesia, quando se trata da vontade ou
necessidade que tenho de escrever, de verter o meu sentir. O mesmo acontece
quando respondo a desafios literários para participar em coletâneas/antologias
ou em concursos literários. A prosa exige mais tempo, por isso é que, além de
crónicas e textos de opinião, só tenho alguns contos publicados em coautoria.
Jornal Os Mirandelenses - Tem novos projetos em mente? Se sim,
pode falar sobre eles?
Além da escrita em si, queria ter tempo
para organizar um outro de poesia, numa linha temática que ficou fora de “Um
Cibo de Nós”, uma linha mais ligada aos afetos. Um livro de contos também cabe
no meu projeto de escrita. Por estes dias, há outras preocupações.
Infelizmente!