Caminhavam lado a lado. O jardim florido, arborizado, os bancos desertos. Tudo tão presente, belo, esperando a atenção merecida. Contudo, as pessoas passavam, concentradas em si mesmas e nem um olhar afável se lhes dirigia…
- Mas afinal entendes-me? Sabes o que penso, o que sinto?
Esperava, pelo menos, um leve sinal de assentimento.
- Vês, parece que nem me ouves! Puro de-sin-te-re-sse! – concluiu marcando as sílabas numa vaga esperança de o acordar daquela letargia.
Desta vez pareceu-lhe que os lábios iriam pronunciar algo parecido a um “estás enganada”. Mas nenhum som foi audível. Seriam fantasmas de si próprios? Perpasssou-lhe a ideia de estar a caminhar sozinha. Que a sua mente projetava uma companhia. Olhou para trás para se certificar se via a sombra que, certamente, o sol ardente faria desenhar no passeio onde espreitavam parcas relvas ressequidas. Sim, havia uma sombra. Atreveu-se. Estacou e postou-se à sua frente, enlaçando-o.
- Por favor, diz alguma coisa! Esse mutismo é atroz. Exaspera!
- Que queres ouvir? – volveu quase rispidamente.
Emudeceu. Desconcertada ouvia o silêncio em que as suas palavras se haviam transformado.
Amedrontada, afastou-se ligeiramente. Um vago receio do que poderia ser dito, devolveu-lhe a consciência do papel ridículo que estava a fazer. Tinha de sair daquela cena.
- Corta! O guião não previa esta deixa!
Estugou o passo, saiu do cenário mas ainda vislumbrou, de soslaio, o outro personagem sentar-se num banco do jardim postiço, sorrindo estupidamente. Pelo menos assim lhe pareceu…
Odete Ferreira 22-01-2012
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