Hoje
é o aniversário de um alguém. Aliás, todos os dias é o aniversário de alguém.
Alguém com rosto, alguém que nasceu desejado, amado, protegido. Alguém que
cresceu sem algemas, alguém que vivenciou os tempos dos finais do século
passado e os alvores deste. Alguém que não se deixou escravizar pela
publicidade das marcas. Alguém a quem o destino quis deixar a sua marca cravada
a ferro e fogo…
É o
filho de alguém que hoje sente as picadas do desconforto, da revolta, da bruma
que lhe escurece o coração, da claustrofobia de túneis cada vez mais longos e
estreitos.
É o
filho de alguém que tanto deu de si a este país, a esta região. A estes filhos
raros, numa paisagem de sonho mas onde, cada vez mais, os sonhos são
rechaçados. Pobres, muitos, demasiados. Por isso emigram, o céu já não é o
limite. O céu de deuses menores, metáfora do inferno, mercado fervilhado no
templo dos vendilhões, encurralou-os.
Hoje,
especialmente hoje, não me apeteceu bordar a escrita de figuras de estilo,
muito menos mascarar a dor crónica, instalada há muito, mas que, por força de
um eu fortalecido, se remete a um silêncio cauteloso. Não vá emudecer de vez,
com o susto troante de um desarranjo emocional.
Hoje,
especialmente hoje, escrevo a crónica de um hoje que não se esgota no agora. Esperança?
Por quanto tempo fará parte da minha idiossincrasia? Parece-me que também não
me fará falta. Sou pouco fiel a nomes abstratos quando se trata do caminho
real, independentemente do material de que é revestido. Ações concretas,
precisam-se! Parafraseando Eugénio de Andrade “É urgente o amor”, eu direi, é
urgente o amor induzido na dignidade de possuir um qualquer objetivo na vida, é
urgente pensar as pessoas.
Hoje,
especialmente hoje, desejo-te um dia feliz e que o desconcerto de tantos não
desconcertem o que levei anos a esculpir. E orgulho-me. Tu sabes! Não? Então é
porque confio mais nos gestos do que nas palavras. Por vezes. Algumas vezes. E
hoje, especialmente hoje…
Odete Ferreira, 31-05-2014 –
Imagem - Obra de Nadi Ken