quinta-feira, 30 de junho de 2016

Rendição


Obra de Lauri Blank

Não sei se é o remanso de um sol tardio,
se a moleza das palavras lerdas no pensamento.
Ou se saber-te escondido na rosa rubra da lapela.

Assim sendo, tomam as palavras a rédea
e seguem, a trote, as veredas.
Folgam apenas os instantes necessários
para beberricar das fontes oferecidas
(à beira dos caminhos cumprem a sua obrigação:
dar tempo ao destempero do passo apressado).

Se me atento em alguma premissa,
perseguindo uma eventual lógica,
não deduzo, não infiro,
mero exercício silogístico.

São assim os momentos límbicos,
não avançam, nem recuam,
pairam para lá dos abismos,
sabedores do fraco equilíbrio das pontes.

Mas, quando em mim se eriçar o pulsar,
é porque saíste da rosa rubra da lapela.
E o fogo, em língua azul mar,
consome-se em céus de boca,
vermelhos de poentes incendiados.

OF – 21-06-16

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Notícias da Feira II

Pode questionar-se sobre a relevância de escrever sobre a Feira do Livro deste ano. Já houve outras mas não me senti comprometida, no sentido que o termo francês engagée transmite. Como sou de questionamentos, tento sempre ir à raiz das minhas atitudes – se bem que, com alguma frequência, escreva sobre eventos da minha cidade. Mas, este ano, sopram-me ventos de novas. Há uma conjuntura que me esperança e a vontade de perpetuar o meu sentir perante esta (nova) circunstância. E espraiar-me-ia, como o meu rio tornado lago, nestes considerandos. Recentremo-nos e concentremo-nos no que ao aqui vim. A semana da Feira decorreu com outros momentos significativos, acompanhados sempre com um apontamento musical pela nossa Esproarte, marcando presença na apresentação das obras de Elísio Estanque (A classe média:ascensão e declínio, ensaio, 30-05) e de Maria Gabriela de Sá (Eu e os meus ilustres convidados, 31-05); também, na apresentação dos cinco melhores projetos “Escola Empreendedora” e respetiva entrega de prémios, aos três primeiros classificados (31-05). Gostei, particularmente, do projeto de um jovem músico da Esproarte, apaixonado pela gaita de foles, no qual propunha levar a sua aprendizagem aos mais recônditos lugares.
Ponto alto voltou a ser sexta-feia, dia 3 de junho, pelas 17:30. Telmo Verdelho e Jorge Golias apresentaram o 3.º volume do Padre Ernesto Sales, “Gentes de Mirandela”, uma obra que, em conjunto com os volumes anteriores, engrandece Mirandela e nos dá conta de apontamentos históricos de um valor incalculável. Deliciei-me com aspetos da vida das três pessoas escolhidas para apresentar e relevar a importância da obra; apenas cito o médico Francisco da Fonseca Henriques, conhecido por Dr. Mirandela, ( http://www.cm-mirandela.pt/index.php?oid=2759&id= ) por economia da narrativa. Ficou a promessa (há muito reclamada) do presidente da autarquia na reedição de toda a obra do Padre Sales.
Aguardava, com expectativa, o TuaEscrita. E não me defraudau. Ernesto Rodrigues, responsável pelo evento, nascido em Torre D. Chama (atualmente vila), do concelho de Mirandela, é um nome de vulto no panorama literário. Confesso que estranhei o tema para este encontro literário (Violência: pão nosso de cada dia?). Sinal de que, apesar de precavida, sou levada a juízos redutores e, de certo modo, arrogantes pela escassez de tempo que, por vezes, concedo ao que leio.
Na verdade, é-me de todo impossível dar conta da riqueza de pensamento de tão elevado painel, traduzido em algumas das suas obras publicadas, onde, afinal, a temática está presente, sob prismas extremamente curiosos e diversificados, pois também o é o perfil e a área de cada dos elementos do painel. (ver cartaz do TuaEscrita). Confesso que gostaria de rever as intervenções dos oradores, mas penso que delas não terá sido feito um registo; é pena, pois perdeu-se a possibilidade de replicação e até o seu uso pedagógico, junto de diversos públicos.
Enriqueci-me, não só pelo que ouvi mas também pela oportunidade de tertuliar com pessoas que viajaram até à Princesa do Tua, deslocando-se, alguns deles, da capital para estar de corpo e alma com a, também sua, gente transmontana. Desta vez, não fui eu que me desloquei para estar presente em eventos literários. 
Que a próxima Feira do Livro, evento dentro de muitos outros eventos, iguale ou supere a qualidade desta!

Odete Ferreira – 05-06-16
Nota: as fotos seguem a ordem dos momentos referenciados na narrativa.
(José Mário Leite, Telmo Verdelho, Teresa Martins Marques, Ernesto Rodrigues, António Branco, presidente da autarquia, José Manuel Pavão, presidente da assembleia municipal, Jorge Golias)
(A propósito da gaita de foles, desafio-vos a descobrir a raiz céltica em Trás-os-Montes, nas suas festas pagãs e na música.)

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Mira(n)dela


Há um espaço que me é pertença,
me vestiu na casa térrea,
me alimentou à nascença…

Límpido é, então, o meu olhar,
purificado no batismo das águas correntes,
ribeirinhos paridos de nascentes
nos montes onde se cumprem as urzes
e as giestas festejam o tempo
e os tempos me apuraram
o palato, o olfato, o tato…

Não me sei doutro modo,
não sei a cor doutro amor
e tampouco o toque de outra pele.
Esta, fez-me filha, mulher, mãe.
Natureza pródiga em cheiros e sabores,
terra a abrir-se às rosas,
temperada de néctares
onde os deuses se deleitam
em orgasmos de poemas…

Poema, princesa, grinalda de flores,
rainha minha e Tua,
rio que me arrepia,
palavra perdida de amores…

Ah, se me soubesses tua
fazias-me filhos que ficassem.
Por ti. Por amor. Sem dor!

OF – 21-05-16
Foto Odete Ferreira
(Um dos poemas lidos no momento "Mira(d)elas", na Feira do Livro)

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Notícias da Feira I

Chego a casa. Tarde. O dia foi longo mas pequeno para tanta grandeza literária. Tenho muitos dias assim, mas nem sempre os presenteio com um registo que os diferencie na memória. Como esta não se compadece com o tempo e, desconfiando da sua fidelidade para com esses dias, perante a concorrência de outros que vivi ou viverei, preciso de lhes dar, em palavras, o tempo de antena que merecem. É que os dias são tal e qual os amigos ciumentos: se se fala de uns, os outros logo pensam que os desgostamos ou preterimos. Afinal, cada um de nós, traz em si, uma poderosa central informativa, onde os conteúdos se digladiam para ter honras de primeira página! Desta vez, abriram o meu telejornal 28 e 29 de maio, dias iniciais da Feira do Livro da minha cidade. Uma cidade em que muitas das pedras se moldaram em flores e oliveiras e que o rio, agora sereno, aconchegou. Contam histórias e cantam versos. São também as raízes que, a dado momento, se emaranham na palavra memorial de transmontanos que se bastam e alimentam neste reino maravilhoso, cantado pelo nosso Miguel Torga.
Patrícia Aires (A música do Rio, romance), José Maldonado (Vinho Novo da Pipa Velha, poesia) e Cidália Fernandes (A Casa da Lua, romance), foram o rosto das suas obras, brilhantemente apresentadas por, respetivamente, Maria Gentil Vaz, Goreti Dias/Dionísio Dinis e Padre Mário de Oliveira, sendo os momentos marcados com apontamentos musicais, também respetivamente, Grupo de Cavaquinhos da Universidade Sénior Rotary de Mirandela e a nossa excelente Esproarte; a obra de Victor Rocha, esteve em foco através de uma entrevista informal (Goreti Dias); por último, refiro a minha presença, com um breve tributo à terra e à região, dizendo quatro poemas meus, acompanhada por um professor e um aluno da Esproarte, momento que apelidei de Mira(n)delas.
E é com estes e tantos outros eventos de qualidade que, teimosamente, se faz valer uma região, viveiro de homens de alma elevada e, quantos, mesmo visionários. Talvez porque foram (somos e seremos) compelidos a olhar para lá dos montes. E não, não estou a ser presunçosa! Se o valor das gentes nascidas em territórios mais isolados fosse devidamente respeitado, ainda que singelos anónimos, não haveria lugar a tolices como as de um alguém, que, ironia do destino, ouvi ao chegar a casa. Tarde, como referi. Mas tão cheia! Bendito alimento pois que, dele, não advém o pecado da gula!
Diz-se que uma imagem vale por mil palavras. Não estas que aqui vos deixo, porquanto as palavras, nestes dois dias, fizeram a festa e ecoaram para lá do espaço da Feira. E o meu Tua aplaudiu. Pelo menos eu ouvi…
Odete Ferreira – 30-05-16