A
minha relação com os domingos sempre foi complicada. E continua. É um dia
impertinente que me provoca um mal-estar que varia conforme os momentos. Até
tenho mais cuidado na escolha do vestuário, geralmente permito-me saborear um docinho
e o silêncio que me leva a memórias, são, indubitavelmente, momentos de bem-querença.
No
tempo do cumprimento de um horário de trabalho, a relação ficava mesmo feia!
Atualmente, não me zango, desespero com a lentidão das horas, com o sossego das
gentes preguiçando e o vaivém do tráfego automóvel. Alguma inveja, confesso,
num agosto em que imagino um destino a saber a férias. Ainda não desintoxiquei
desse antecipado prazer. Somos assim: uma mente aditiva. Por muito tempo, tenho
a certeza que ligarei este mês a um longo ciclo da minha vida. Fazer férias, no
sentido de conhecer outras paragens, num outro mês do ano, será então o momento
da assunção da minha nova condição.
Atento
nos cartazes colados no vidro do café. Festas e mais festas. Pelo menos, estreitam-se
laços afetivos entre famílias desencontradas no espaço, e, em outras, ganha-se
o pão para o resto do ano.
Tenho
de rever esta minha relação com os domingos! Ai se tenho! Não faz sentido esta
ralação, soando a menina que faz birra no final do dia por não poder saltar um
deles…
Odete Ferreira – 17-08-2014
Relações e ralações 2
Este “ter de” tem andado a imiscuir-se nos
meus monólogos. Talvez devesse dizer conversas mas, se tudo ocorre dentro do
eu, por que não monólogos?
“Afinal que motivo há para manteres uma
relação latente de conflito com os domingos?"
Pergunta insistente, teimosa e indiscreta
sempre que abria a janela e o sol me fazia sentir o seu afago na
clandestinidade. Mas o raio da pergunta intrometia-se. De nada valia
procrastinar o assunto.
E tenho vindo a deitar-me no sofá do melhor
analista – que sou eu, claro!
“As circunstâncias podem ser vistas por
vários ângulos - segreda-me o sofá - é uma questão de direção…”
E foi assim, tão simples: levei a máquina à
revisão, alinharam-me a direção e lá voltei à estrada num domingo
particularmente amistoso.
Afinal não há desavenças definitivas, nem
verdades indiscutíveis; tampouco ralações indecifráveis.
“Sim, é uma questão de direção…”. Lembrei-me
do meu querido Calimero mas, desta vez, sorri. Estuguei o passo em direção ao
carro. Caía uma chuva miudinha e não trouxera guarda-chuva.
Odete Ferreira - 08-02-15
Obra de Enrique Monraz