Obra de Brooke Shaden
“Todo o mundo é composto de mudança” – verso locomotiva de Luís
Vaz de Camões, verdade incontestável, asserção sem tempo e idade, porventura a
génese e marca do conceito mundo. Hoje, acrescenta-se ao discurso o adjetivo
vertiginoso sempre que a mudança escapa a qualquer tipo de previsão, como se os
fenómenos tivessem ADN próprio e a mão humana estivesse já condenada à morte em
vida.
Um dado novo, assustador, visto vivermos a perenidade e não a
caducidade.Se é certo que, ao longo do ciclo de vida humana, o instinto de
passagem nos leve a preparar algumas perdas, comandando os nossos atos de
esvaziamento para dar lugar a outros enchimentos, fazêmo-lo como herança do(s)
lugar(es) onde estivemos.
Ontem, foi mais um dia de passagem de testemunho, rasgando
registos de tanta vida profissional, de tantos lugares e de tantos rostos. São
atos corajosos, altruístas. Conservar estes registos não passaria de mero
egoísmo, quiçá algum narcisismo. Tão belo, tão criativo, tão avançado para o
tempo… Que orgulho na repescagem de partilhas, de deslumbramentos mútuos! A
par, ocorria-me, sobretudo se hesitante: tudo o que fiz foi uma espécie de
doação de órgãos que se foram regenerando até ao momento em que os rostos da
ensinança deles precisaram. Vivo neles, não nos registos. Elegi-os fiéis
depositários, por isso nem sequer foi doloroso. Os rostos, impressos em folha
A4, conservei-os. Ainda me é importante ligá-los ao nome. São identidades da
minha identidade. São jovens, homens ou mulheres, que eu saiba, praticantes de
boa vontade, dotados de espírito crítico.
Mesmo que muitos não se dirijam às urnas de voto para exprimir a
sua vontade, sei que, na sua vida, só cabem as mudanças que dignificam as
pessoas. E sei que, muitos, mas muitos, não caem facilmente na cantiga do
bandido. É nesta crença que tenho um dos meus sentidos de vida.
Agora, por ali estão, devidamente empilhados, os dossiês, nus de
registos. Rasgos de luz. Ressurreição. Depois da passagem…
Odete Ferreira em 10-11-16