É frequente pensarmos em pessoas que já passaram pela nossa vida profissional. Se bem que, se as evocamos, é porque o pessoal não ficou alheio. Pessoas, ainda que se encontrem na fase etária designada criança e/ou jovem. Escrevo sobre elas, em prosa ou verso, conforme o momento, o tempo e as circunstâncias. Explicitamente ou veladamente. Mas são centrais, não apenas pretexto para escrevinhar.
Trago em mente um jovem. Sorridente, um olhar dócil que foi crescendo em contexto escolar, com alguma harmonia, até ao dia em que se cansou. Debalde, os meus (e de outros intervenientes educativos) argumentos. Sentia que tinhas razão nesse cansaço, mas não te podia deixar transparecer a irritação surda que me tomava perante barreiras reais, intransponíveis, apesar de exercer funções diretivas, à época.
Menino com acentuada surdez devido a um azar do destino. Vítima de um acidente, aos 3/4 anos que te lesionou para a vida, num país onde os recursos físicos e humanos eram, na altura, muito escassos, impossibilitando que as tuas capacidades fossem desenvolvidas. Obrigado seguir o mesmo currículo dos colegas por mais adaptações que fossem operadas, como te fazer apreender os conceitos que só a palavra consegue? Entendia-te, entendias, no que era básico em termos comunicacionais. Foste feliz, na escola, enquanto pudeste.
Todos somos culpados porque nos acomodamos, porque não gritamos ainda mais quando é preciso. Tinhas direito à aprendizagem da língua gestual, língua materna que os surdos reclamam. E têm razão! Se este país quisesse que todas as crianças tivessem igualdade de oportunidades, trabalharia há muitas décadas para esse desígnio.
Ocorreu-me que, só quando alguma dita “figura pública” tem no seu seio uma criança diferente, é que se consegue algo mais. Se tivéssemos governantes com problemáticas deste género, estou convicta que se revoltariam com os dinheiros mal parados que tanta falta fazem para investir em equipamentos e recursos humanos em favor da tal igualdade de oportunidades, plasmada na Constituição da República.
Ocasionalmente cruzámo-nos, André, quase sempre na companhia da tua mãe, mulher fabulosa entre rochedos nascida. Tal com tu! Sorris, sempre. Derreto-me mas a mágoa da minha impotência permanece… Não lerás este texto, nem sequer imaginas que tenho um blogue. Contudo, apetece-me percorrer alguns quilómetros e saber de ti, da tua vida. Em todo o caso, algo saberei pela colega e amiga que vive no mesmo local. Sempre a escola, a ligar as pontas soltas, seja a formal ou a da vida! Um sorriso enlaçado, André V. em azul!
Odete Ferreira - 11-09-2011