quinta-feira, 27 de março de 2014

Para lá do palco



As cadeiras rangem por falta de uso.
Nelas sentam-se máscaras de ocasião.
No palco aparecem outras de solidão,
vestidas de personagens ensaiadas.
Impacienta-se o corpo molengão.
Prepara-se a mente para a evasão.

Teatraliza-se o espaço.
Recolho-me no silêncio
verbalizado nas vidas roubadas,
em conformidade com o guião.

Surgem palmas, risos ou trejeitos.
Esqueço-me de mim,
igualo-me no frenesim.

Senhoras e senhores, o espetáculo vai começar!
As pancadas de Molière anestesiam os sentidos.

Hoje também estou no palco
e sinto-me a atriz principal.
Depois tudo voltará ao normal.

Cá fora chovem vidas por contar.
Lá em casa, perdidas, contas por pagar.

Apagaram-se as luzes.
Na rua brilha a escuridão,
no olhar conservo a ilusão.
(Lágrimas furtivas
denunciam a emoção
das palmas batidas…)

Como dói a vida na palma da mão.

OF – 27-03-14
Foto – Autor desconhecido

sexta-feira, 21 de março de 2014

Memorial I


Partiste há muito. Podia perfeitamente precisar no friso cronológico do tempo. Mas não quero. Não é o tempo decorrido que me leva a iniciar o memorial granítico de memórias do teu e meu tempo. Era preciso um começo. Terminará quando a memória se ausentar de mim. É ela a culpada dos sentimentos. É ainda ela que me leva a sorrir-te, a contemplar o teu rosto, a ver-te andar, a ver-te chegar e partir, a reparar na habilidade manual da tua arte-trabalho, a afagar a roupa que usavas, a sentir o prazer do gesto de cuidar dos teus pés mergulhados na água quente em noites frias…
E tudo se mistura. A filha criança, menina, jovem, mulher, mãe. Ainda tiveste tempo para sentires a ternura de teres um neto nos teus braços e de passarmos um natal sem ausências físicas.
Acontece precoce, a partida na tua família. Foi a avó Cândida, o avô Alcino, a tia Virgínia, a tia Margarida – ainda presente na sua ausência mental – e, sabes, recentemente, o tio Zé. Por isso é que o tempo dos meus continua a estar no meu sentir tempo. Como se fora património edificado. E cuido dele porque, nos seus traços, estão os teus e vossos traços, carateres esculpidos nas pedras lascadas que herdei.

A voz erguida quando precisa.
O ato solidário do dia a dia.
A honestidade como guia…

Vês, pai, foi tão fácil iniciar a construção deste Memorial! Até breve…

(Deus te abençoe, minha filha – ainda consegui ouvir antes de pousar a caneta.)

OF (Odete Ferreira) – 19-03-2014

Adenda  em 26 -03-14
Amig@s: tenho estado bastante ocupada, daí não vos ter visitado nos vossos blogues, ultimamente. Em breve retomarei as visitas....

quinta-feira, 13 de março de 2014

Redondo de luz és ouro que nos enriquece

Num interior esquecido,
urdido ardilosamente,
sonho de urbes prenhes
e de vidas com sentido,
foi-se a gente impaciente
ocupar tão só espaço vazio.

Mas tu, redondo de luz,
fecundas terras friorentas,
perfuras tocas desalojadas
e minas abandonadas
por ganância esventradas.
És ouro que nos enriquece.

Desabotoo meu corpo retraído
e no seio dos meus seios
são teus raios errantes
que preparam o ninho
em acasalamento ritualizado,
num todo harmonizado
entre ciclos pensantes
num espaço que desconheço.

Por isso te venero e me esperanço…

OF – 10-03-14 

(Um sol pujante, quente, à desigualdade demente…)

Adenda: há muito que desejo mudar o título do blogue; o atual já não está em consonância com o seu nascimento... Estejam atentos... 

sábado, 8 de março de 2014

Mulher, emotiva sedução


Canto-te mulher
nas curvas do teu corpo
que confundo com as da vida.
Marcas sulcadas na obesidade
de sentires de plenitude.
Nasceste de dor parida,
fecundada do desejo carnal,
ato consequente ou inconsequente,
serás farol de perpetuidade.

És menina na fantasia.
Juventude na utopia.
Comandante de vagas alterosas.
Profeta de novos mundos.
Regaço de curas milagrosas.
Mulher de olhares profundos.

Encandeias em noites de vigília escuridão
porque sabes de viveres em escravidão.

E lutas
e ergues a tua voz
e estendes a tua mão.

Choras, sorris, abraças, sonhas…

E no teu poder de persuasão
mora a força da tua essência.
Mu-lher, duas sílabas partidas.
Mulher, palavra una, magia
tangível no corpo sedução.
Mistério num cosmos de transcendência
… Ou tão só, um todo de emoção…

OF – 05-03-14
Foto – Autor desconhecido

sábado, 1 de março de 2014

A uma ausência não querida


Naquela saudade feita urgente
Olhar da tua imagem preenchido
Coração escondido no poente
Sinto a tristeza do tempo partido.

Ladra de uma ausência não querida
Porfio minha mágoa no meu rio
Revejo instantes de tua partida
E abraço lembranças em desvario.

Ondulante sobrevoa meu sorriso
Em águas magoadas me fixo
Estilhaçada, minha alma te envio.

Dilacera-me a dor réstias de siso 
No peito trago preso um crucifixo
Arranca-mo e bebe meu ser bravio.


OF – 19-02-14
Foto –Autor desconhecido