quinta-feira, 24 de abril de 2014

E da boca caem palavras azedas


Ocorre-me que esta brisa
podia não ser ar  em movimento.
Apenas a perceção de ondulação
nos elementos entelados
como hastes curvadas para o chão
que secou as raízes de vontades
e mesmo os ventos da mudança.
Pinturas. Estilizadas ou não.
Minimalistas. Mas em liberdade pinceladas.

Da boca caem palavras azedas.
Nos silvados não as colho,
dilaceram estes dedos enlutados.
Não os vejo, agrilhoados na prisão
de um ventre que já não
engravida filhos com sonhos.

Leda de tempos passados,
vividos nas asas dos pássaros
que sentia em ombros leves.
E partia. E voava.
E pregava nos amanheceres.
E atardava os entardeceres…

A memória é o que resta
da perceção de um eu.
Contudo serei sempre fiel
à História da verdade.
não a histórias de cordel.
Daquelas que continuam a contar,
toadas, em tempos de antena
fazendo do meu Abril
apenas uma farsa, uma data…

Já nem as telas são figurativas.
Os cravos desbotados
partiram. Emigraram.
Fiquei eu e outros,
Pássaros de voos penhorados…

OF - 23-04-2014

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Poema lazarento


Há verdes sóis encobertos
em madrugadas sem fim.
Baralha-se o tempo
nas bocas vazias.
Apenas o escuro
dá urros de loucura.
Os sonhos não passam de pesadelos,
apesar do luar trazer o branco
da esperança
pelos buracos destapados,
desdentados,
onde o sorriso se fecha
no círculo dos lábios envelhecidos
antes do tempo normal…
Confunde-se a própria velhice
pregueando faces chapinhadas
nas poças vermelhas
de sangue invisível.
A dor tornou-se exangue
e as horas passam-se
na espera da vez
dos bancos solidários
onde se adormecem
lazarentos dias passivos…
Como grassa este género de família!
Permanecem os nomes próprios,
deixando de ter sentido os apelidos.
São todos irmãos.
Apenas se distinguem pela
intensidade dos vagidos…

Podia ser pelos latidos
mas eu, no uso da palavra, recuso
que te retirem da alma a dignidade.

OF – 29-03-14
Foto – Carlos Alvarenga 

(Aproveito para desejar uns bons dias de descanso, vividos como melhor vos aprouver... Agradeço as vossas visitas e os simpáticos comentários deixados.)

sábado, 12 de abril de 2014

Virginal primavera


 Pareceu-me sentir um toque de folha
pele aveludada na minha esbranquiçada.
Tímida. Talvez fosse a intensa brisa
que te arrancou dos braços protetores
de uma qualquer árvore entristecida.
Tarda tanto, a primavera…

…a primavera que rodopia
nos lábios avermelhados
circundados na boca que procura
os sucos tintos dos frutos da época
que sei guardados no celeiro
farto onde saboreio o desejo…

…o desejo que estremece
num corpo de azul, de céu e mar,
nos cabelos de verde, ramos sem amos,
nos dedos de rosa, de flor e amor,
no poema incolor, de fantasia alegoria,
no imaginário parturiente de filhos sonhos…

…sonhos que nidifico em almas
renascidas partindo de nadas
ou floridas nas sementes lançadas
no tempo certo das sementeiras.
Contudo são recônditos os lugares
onde me sonho em poesia fecundada…

…e sinto-me virginal como a primeira primavera
que ciclicamente me enverdesce e veste esta terra nua.

OF – 06-04-14
Foto – Autor desconhecido - Sou acérrima defensora dos créditos autorais. Quando não tenho uma foto minha recorro à pesquisa google e visito a página de onde foi retirada. Constato que a imagem foi lá postada mas sem autoria...

domingo, 6 de abril de 2014

Adições e divagações

Todos somos aditos e, como seres capazes de discernimento, ainda que o seu valor lexical nos leve a discussões intermináveis entre o meu e o de outros, reflexionando-nos, a atitude que nos confere o respeito pelo ser que somos, só pode ser a da assunção desta condição.
Com a evolução galopante da pesquisa científica, incluindo tudo o que ao ser humano diz respeito, pode causar-nos um impacto significativo quando são reveladas informações do género “O mapa genético da banana revelou que x% (ouvi a notícia mas não fixei a percentagem) é igual ao ser humano.” Pois é, afinal ingerimos algo que, com jeitinho, podia ser um ser humano! Brinco e sorrio, mas que isto dá bem que pensar, lá isso dá!
E talvez não seja por acaso. E talvez exista mesmo um Senhor do Universo!
É verdade que nos diferenciamos pelas idiossincrasias. Contudo, também é bem verdade que, frequentemente, seja no mundo real, seja no virtual, sentimos que esse outro podia ser eu, tal a sintonia que nos imaniza. Um deslumbramento. Acontece-me tanto estes orgasmos intelectuais! Este sexo entre olhares! Não dispenso. Faz parte da minha abrangente adição. Tal como só escrever à mesa de um café ou esplanada. Tal como saborear um domingo vagaroso, escrever de preferência prosa, após a bolo de eleição e o café sem açúcar.
Sou dependente de muitos rituais; todavia, na mesma proporção em que o  meu discernimento me leva a rechaçá-los, sobrepondo a minha independência e alguma irreverência perante a mediocridade de um pensamento global. Apetece-me sempre pertencer à minoria, seja ela de que índole for. E as pedradas no charco fazem desenhos tão originais!
Fixo novamente o olhar num pedaço de monte enxameado de arbustos onde, quando árvores, serão liberdade no voo de pássaros irrequietos. Desta e doutras adições nunca me desintoxicarei. São venenos benéficos…
(Ah, mudou a hora mas o tempo é o mesmo…)

Odete Ferreira, 30-03-14
Pintura de Hu JunDi


Nota: este é apenas um texto reflexivo, como muitos outros que divulgo no blogue, embora há muito o não fizesse; validar algo cientificamente, não é objeto do que escrevinho; muito menos ser dogmática...