segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Ardem-me os olhos

Foto retirada do google

Ardem-me os olhos,
na pira demoníaca crepitam,
corvos putrefactos crocitam
as dores da terra ardida.
Línguas de fogo engolem
feridas em carne viva.
Sacrifício de cordeiros mansos,
imolação terrorista…

Negra, tão negra, esta crueza enegrecida!

Por muito tempo inertes ficarão os braços
e os passos não farão caminho.
Os verdes, ao Homem, serão escassos.
Estranho, como o vil, em ti, alimenta seu ninho.

Por muito tempo se exaltarão as vozes
e os poderes, raivosos, deverão ser açaimados.
Será a mãe nossa que pedirá algozes,
antes que todos os filhos nasçam estropiados. 

OF (Odete Ferreira) – 12-08-16 

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Momentos improváveis


- Sabes quanto custam as carteiras desta marca?*
- Eu não, eu nem conheço o c…… da marca!
- ???
- Não, eu quando vou às compras, vou direta às lojas x e y. Custam-me pouco a ganhar 50 euros, quanto mais andar a saber de marcas! Olha, a minha mochilinha custou 5 euros!
(…)
Gosto destes momentos improváveis: sentada numa esplanada à cata de conversas banais, mas que são o quotidiano de gente tão comum quanto eu, nas quais o palavrão adquire estatuto de português vernáculo. E, acreditem, este excerto da conversa, foi uma leve amostra!
Entretanto, chegam à mesa as francesinhas pedidas; os meus vizinhos deste espaço social, dois jovens casais e uma linda menina aparentando 2 aninhos, atacaram-nas com visível saudade do seu sabor ou do sabor deste descontraído convívio. Saudades lusas, certamente! É que, de vez em quando, soltavam-se algumas palavras do país vizinho…
*Contextualizando: nas festas da cidade, verifiquei que se vendiam bem as carteiras de “marca” e, tal como uma das jovens, confesso que também não conheço a maior parte delas. Mas, em abono da verdade, o gato passava bem pela lebre! Pelo menos a olho nu!

Odete Ferreira - 14-08-16 
(O breve relato não tem outra intenção que não o registo de momentos que me deliciam; por isso privilegio, no verão, a ida a uma esplanada "comum" para tomar o meu café de final da manhã; de vez em quando, apanho conversas para todos os gostos. Esta foi bem apimentada!)

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Pequenez da palavra

 Obra de Christian Schloe

Equaciono, frequentemente, a capacidade de transmitir sentimentos pelo signo linguístico. E discorro. O verbo sentir exige, pela sua natureza, algo que o complemente visando que o outro apreenda a mensagem. Portanto, ainda que se entenda a definição aposta no dicionário, os sentimentos são pertença da alma poética. Logo, com toda a propriedade, pode afirmar-se: há sempre um poeta em cada um de nós. E quem duvidar é porque a esse ser humano lhe falta agudeza de espírito.
Quando, em qualquer circunstância da minha vida, sobretudo na condição de professora, tentava que os meus aprendentes percebessem o alcance da afirmação, notava-lhes uma surpresa que os emudecia. Ficavam a matutar, a medir o pulso do seu próprio entendimento. Sem dar muita margem à reação, prosseguia nas minhas elucubrações. Escrever vem depois e a idade com que se começa a exteriorizar, usando o signo linguístico, não é relevante. Importante é viver em poesia. E todos podemos ser mágicos. E todos podemos viver a magia dos contos de fada…
Tanto arrazoado quando, afinal, talvez queira apenas convencer-me que, é possível definir sentimentos. Para nós, para o nosso dicionário interior, onde o sentir é um todo indivisível, apenas fatiado para matar a fome dos afetos…
É nesta linha que situo a paz que me atravessa por inteiro. E, só assim, tem sentido

que desejemos ao outro, antes de tudo o mais, PAZ…

Odete Ferreira – 08-05-16 

Pequenez da Palavra II

E esta paz pode exponenciar-se. Até que os sentimentos se fundam sem causa nem efeito. Em pó de arroz para salientar as maçãs do rosto. Em água de cheiro para aspergir o colo cansado. Em sorrisos de alma apenas visíveis no brilho do olhar. No riso cristalino do filho a situá-lo menino. Nas sementes que hão de germinar e rejuvenescer o tempo, saudando-o a cada solstício com rituais de batismo…
Por isso:
Há um sentir maior que o verso,
maior que as horas do tempo,
maior que as turbulências do momento,
um tempo vivente no vento que me chega disperso.

Iço as velas; não importa o rumo, apenas navegar à vista…

Odete Ferreira, 31-07-16