terça-feira, 29 de dezembro de 2015

No sopé da montanha

Obra de Madalena Lobao-Tello

Ataviava-se dELA com o esmero de noiva. Fora indiferente a cor do vestido. Importante seria a luz que dele emanaria. Só ela perceberia o impacto que causaria em cada ser que cruzasse nas horas que atravessavam o tempo de espera. Um tempo que tentava rasgar páginas amarelecidas e nevoeiros caprichosos. Um tempo que precisava de exorcizar o espírito do espantalho que fora morar no corpo das pessoas.
Por isso, ataviava-se dELA como cavaleiro antes de cada batalha, as prometidas, porque assim era o mundo, mas também as imprevisíveis, porque cada cabeça pensa da verdade da sua sentença. Ataviava-se dELA como paciente antes da entrada nos espaços da dor que esganam o choro para não borratar o sorriso. Ataviava-se dELA como pedreiro a escolher a pedra certa, quando, paciente, faz nascer a casa no alto da montanha.
Sabia que, só assim, ataviada dELA, seria capaz de prosseguir caminho. De cabeça levantada e com o olhar resplandecente dELA, dirigiu-se à mesa dos convivas.
Desataviou-se dELA, por fim. Ou melhor, deixou que ELA enchesse os copos do brinde, como se fosse uma poção mágica. Fechou os olhos e todos os desejos, nos segundos das passas de uva, se vestiram dELA.

Odete Ferreira – 28-12-15

Para todos, de coração, desejo que cada dia de 2016 se atavie dELA.

(Quase a terminar este 2015, não podia deixar de agradecer as vossas leituras e carinhosos comentários, que muito me honram e honram este espaço. Um abraço redondo de ESPERANÇA.)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

À míngua

Obra de Anna Dittmann

À míngua secam os ribeiros,
melodia de frescos mergulhos
de luas em fase minguante.
Abriram-se fendas misteriosas
nas rochas seculares das frágeis encostas.

À míngua secam os frutos,
paisagem de coloridos alimentos
de nómadas, ventos de liberdade.
Apareceram muros farpeados
nas terras de seus confins usurpadas.

Parecia haver um paraíso,
encantado ao toque de um dedo soporífero.

Foi-se diluindo
nas enxurradas de um destino já exangue
sem direito a Dantas e outros quejandos.

(Fugiu-me o chão onde pisava com firmeza
e a poeira colou-se como vestido…)
Pois, por míngua resta o restolho
e as espigas de milho já não ouvem
as cantigas das raparigas.
Os poemas caem como tordos,                                                 
bem se veem na calada madrugada
quando, forçada, abre a claridade.

(À míngua, morre-me o sonho, a poesia,
a criança…E até a saudade!
Sem ela, sou nada…)

Por míngua secam os sacramentos.
Mas é Natal. Suponho. Pelos ornamentos.
Dias minguados para tantas noites escuras…

OF – 18-12-15

Que não seja por míngua de palavras, de gestos e de sorrisos que não construamos, em cada dia, uma fortaleza de esperança. Bem robusta, para que não se esboroe ao menor abalo. Desejo, a cada um de vós, uma ótima quadra natalícia.
Odete Ferreira        Obra de Natalia Tsarkova                                                                              

                                        

domingo, 13 de dezembro de 2015

Surrealidades

Obra de Leonid Afremov

Um espaço. Indefinido.
Uma cama. Ao acaso.
Ela, enrolada. Talvez nua.
Ele, aperaltado.
Como no dia do seu nascimento.
Um outro. Que a ela lhe era querido,
cúmplice do momento
aplainando terreno movediço.
Uma outra. Entrando no espaço interdito,
deixava peças de roupa nas molas de plástico,
Desajeitada. Pertinaz no acontecimento.
Um filme a ser rodado,
já nas cenas finais.
Encontros de para sempre.
Cumpria-se o destino.
E ela? Continuava deitada,
espantada de sua fortuna.
E veio ainda uma outra,
amiga de longa data,
dizer de sua justiça.
Tudo estado de graça.
Era a mudança da casa.
E ele? Apenas amava
a rainha do seu jogo preferido,
enquanto se calçava para fazer caminho…

Surrealidades.
Pegadas decalcadas no sonho.
Ténue a linha.
Sonhos. Realidades.
Desejos im-prováveis…

OF – 02-10-15 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

(Des)abrigo


 Obra de Leonid Afremov

Por aqui e além
no espaço contemplativo
onde se perde o olhar;
naqueles espaços de acasos
que (des)marcam linhas
onde se encontra o sentido;
nestes momentos encostados
a interiores da casa
onde se procura abrigo;
há um desabrigo
nu e despejado.
É o vento!
Folhas caídas
a provocar o tempo.
Um tempo de frios ninhos
como olhares desocupados.

OF – 21-11-15  

(Majo: obrigada pela gentil presença no meu espaço;já tentei seguir o teu "rasto" mas não encontrei nenhum blog; hoje, além deste reconhecimento, quero pedir desculpa por ter eliminado o teu comentário relativo ao último poema por puro desconhecimento: selecionei apenas o que tu removeste, mas também desapareceu o que escreveste. Se ainda te lembrares, pedia-te que voltasses a deixar o comentário. Ainda por cima, a amiga São subscreveu-o... Estou tão pesarosa! :) )