domingo, 31 de dezembro de 2017

Crescimento


O meu menino, quase a fazer um ano, em casa dos avós paternos. Desta vez, foram quase cinco dias de plenitude. 

É inato! Para crescer, é preciso elevar o olhar e atirá-lo para lá da transparência. Assim, o que de mais profundo e sincero (vos) desejo para 2018, é que seja cheio de olhares límpidos, capazes de transformar a(s) opacidade(s) em transparência(s)

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Faz sentido falar de natal?


     Todo o tempo é diferente. Todo o espaço é diferente. Todos os lugares se veem diferentes. Como as pessoas. Nada de novo, portanto. Assim como o tempo, o espaço e os lugares que falam natal, encorpado da semântica, do significado, das circunstâncias, dos territórios em que é moldado. Como se fora uma veste talhada para um corpo. De preferência, seguindo as tendências da moda. O lado visual, atrativo, estilizado: um catálogo a ser vendido, após aturados estudos prospetivos. E quase tudo vai na mesma direção, num segmento previsível, terrivelmente sensabor. Após o enchimento dos olhos, quase piscos pelo excesso das luzes, sente-se o esvaziamento do balão, tocado por um presépio de musgo, timidamente colocado num cantinho da montra – global – entre a profusão de laços e laçarotes.
   Se assim é, faz sentido falar de natal? Invocar o natal? Escrever as cores de natal?
Sim, faz! Natal é mensagem e metáfora de humanidade: a sua alma, o seu imaginário (como um conto das mil e uma noites), a sua magia, o seu sonho, a sua fortaleza, o seu abrigo. Raiz e matriz. Sentido. Dádiva. Em si, para si e entre si. Um mandato do espírito, um mandato do amor. Um aviso aos homens de má vontade, num tempo em que se cultua o umbiguismo (e outros ismos), as reações timóticas, a frieza (e crueza) comunicacional das redes sociais, postergando os princípios, ancestralmente herdados, na conduta social, para uma segunda ou terceira vias – ou mesmo residual: o olho no olho, a mão na mão, a fala, como processos basilares de entendimento. E é disto que se trata nas falas de natal, na troca das Boas Festas. De respeito, de boa vontade. De humanidade.
   Consequentemente, não podemos deixar de alocar a frase feita: natal é quando o homem quiser. Então, que (re)nasçam homens e mulheres que sejam mensageiros de palavras e atos de verdade. E que seja esta a época inteira em que se renovam os votos, numa celebração milenar, nascedouro de homens de boa vontade. E que, neste ano de terra queimada, nos penitenciemos dos natais adiados e irremediavelmente perdidos, em todos os lugares, prometendo intermediarmo-nos com a única língua entendida por todos: o amor.
   Foi verde o nascimento do Menino. Só poderá ser verde o natal de todos os meninos.
   Honremo-lo! Agora e sempre!

Odete Costa Ferreira
Obra de Domingos Sequeira, acervo do Museu Nacional de Arte Antiga
Texto de opinião inédito (Contributo para a atividade proposta aos associados da Academia de Letras de Trás-os-Montes “Literatura de Natal”, publicado no blogue da ALTM e na página do FB)

A autora escreve segundo as regras do novo acordo ortográfico

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Meu corpo de água, meu amigo!


Meu corpo de água, minha pele, meu alimento, respiração e inspiração. E ais de lamento, se te palpo o corpo emagrecido. Contra os céus, não posso revoltar-me. Contra os desmandos dos homens, não meço forças, salvo uns insignificantes versos ou dedos de prosa que espalho por aí. Contra os hábitos de desperdício, há muito que ganhei a batalha. Penso mesmo que, desde que me conheço como pessoa de direitos mas, sobretudo, de deveres. Vem de longe o meu amor desinteressado. Tanto que trago o teu corpo no meu…
Trajam de verde, os meus gestos e as palavras que, colocadas num sopro de verdade e guardiãs do teu corpo de água, repreendem, severamente, a indiferença de outros…
Maldigo a semântica que fez uso da crença na tua eternidade, como se de uma vingança se tratasse, perante a perenidade dos homens. Egoísmo atroz. Desamor. Assassinato de emoções e sensações. Privação da condição primeira da sobrevivência do que é ser humano: o imaginário direto, vivido olhos nos olhos e legado na manifestação artística. O meu neto já não poderá atestar do remanso de que lhe falarei, nem das cores vivas, sem manchas, nem dos cheiros frescos, impolutos…
Meu amigo, meu corpo de água! Prometo continuar a não te falhar. Prometo não deixar que o teu corpo emagrecido continue a definhar pela incúria dos teus falsos amigos. Que se escudam em discursos palavrosos, nos exatos momentos da incidência das luzes nas suas bocas imperfeitas. Pois que, perfeitas, são as bocas que te beijam…

Odete Costa Ferreira (texto e foto) - 20-11-17

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Mulher-dor


Penduravas nas cordas a íntima roupa,
como oferenda a um deus redentor.
Ia-se o lamento na levada do sol. Uma benção!
Tal como os frutos dados ao sequeiro,
para mitigar as fomes do longo inverno;

o inverno que te caiava o rosto,
fazia tempo; o tempo que te ressecara o viço,
te revirgindara no preto da íntima pele.
Culpavas o fumo do lacrimejamento
que te inflamava os olhos verdes,
já apequenados e secos de gente.

E era fumeiro, em pleno verão;
do bulício do regato fizeste retratos imprecisos.
Que mastigas, chamando
a saliva que te desfaz o carolo de pão.
No teu rosto, mulher-dor, só vejo camas de espera.
Onde te deitas. Há muito, só!

Odete Costa Ferreira, 11-10-17

Obra Edvard Munch

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Por algum tempo


Chega-me o cansaço do vazio espaço.
Por algum tempo, o olhar ficará inquieto,
vagabundo do pátio, sem o abrigo da casa-jardim.
É a nostalgia dos gestos matinais
e do bom dia que o café não exalará,
no alpendre dos pensamentos veraneantes.

Suspira-me a alma, numa confidência muda,
a amarelecer as hastes do tempo verde.
Bem sei que é sinal da mudança da hora,
do fechamento do sol à intrepidez dos dias,
do recolhimento das horas largas de sol.

Por algum tempo, nada saberei do amor
jurado nos braços nus das esplanadas.
É o mistério a pulsar o passo que traço
e repasso em nova geometria,
inversa à nitidez das coisas,
um quase lusco-fusco da claridade.

É preciso ir para lá do jardim, passar o muro,
rebaixar a altura para apanhar o colorido
que se oferece numa profusão de tintos
que não sei manejar; sei, apenas, retirar a essência,
o pó que realçará as tuas maçãs do rosto, mãe.
Por algum tempo, será outono. Mas, em ti, não.

Odete Costa Ferreira, 27-09-17

Obra de Olga Blinder

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Fez-se história, em Mirandela!


Foto de Odete Costa Ferreira
(Momento em que se ouvia a nova presidente da Câmara, Júlia Rodrigues, pelas 23H, na Rua da República)

Houve Outro Caminho, em Mirandela! Mirandela acordou! E foi mais que vitória! Foi o 25 de abril autárquico! Que julgávamos impossível, num bastião do PSD. Que orgulho sinto das pessoas que ousaram abrir os olhos! Feliz, muito feliz! Houve lágrimas, abraços e sorrisos de orelha a orelha. Houve pessoas que se fizeram ao caminho, com a roupa que traziam por casa, do Porto a Mirandela, para abraçar a candidatura do PS  "Há outro Caminho" e fazer a festa. É também nestas pessoas (ainda jovens) que têm de estar longe da terra, mas que a têm no coração, que acredito serão  FUTURO! Não sei se vou conseguir dormir... Muita emoção, um arrepio de pele, um sentimento novo, um alvoroço de adolescente a evocar o primeiro de maio de 1974.
E um desejo de, daqui a umas horas, olhar o meu rio e dizer-lhe "Afinal, o teu povo soube ver que havia "Outro Caminho".
Obrigada, gente de Mirandela!
Parabéns, Júlia Rodrigues! Parabéns a todos e todas que fazem parte da candidatura! Parabéns a todos e a todas que deram corpo a este projeto pelo empenho e trabalho!
Parabéns Mirandela e concelho!

Odete Costa Ferreira, um registo escrito diretamente no blogue, sem grande preocupação linguística., isto é, ao correr da emoção... 

sábado, 23 de setembro de 2017

Ainda é cedo

Ainda é cedo.
A explosão de cores anuncia-se
num perfume cálido, com sabor a memórias.
Sem rasgo emotivo, numa ponderação avisada,
contraponto à asnice da pressa.
Ainda mal se anuncia a aurora,
já descerra a lápide da noite.
Que tem o seu encanto, de sonhos límbicos
a maturar perenes eflúvios;
os que ficam, no corpo aberto à floração das rosas.

Mas, ainda é cedo!
Soboreie-se, em íntima cópula,
o mosto, a compota rubra,
a delícia de beijos suaves.
E as palavras felinas que esbatem a nitidez dos sons.
Colha-se, em íntimo verso,
o canto vindimadeiro, a espuma das ondas,
a preguiça quente, o rubor do corpo.
E o prazer do poema soprado na brisa do entardecer.
Não tarda o equinócio de setembro,
mês medianeiro ou mensageiro.
De graças ou desgraças, sempre acontecendo
muito cedo, sempre fora do tempo…

Cerremos, pois, os olhos, amor.
E deixemos os lábios soltos para a renovação de promessas.

Odete Costa Ferreira, 18-09-17

Obra de Charles Courtney Curran

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Covinhas

Vem mansa a hora da brisa,

distendendo o sopro no alisamento do rosto.
O sorriso adivinha-se nas covinhas,
relicário de todos os mistérios do ser.
Só ela tem a chave mas são os outros
que se tentam no desvendar dos enigmas.
E ela deixa, de vez em quando,
uma pétala para chegar ao jardim.
Ou uma mãozinha curiosa
a bordejar as côncovas linhas.
Adejantes com este namoro,
abrem-se e fecham-se,
aparelhando-se com o olhar de espantos.
E, de repente, já não há rosto,
nem covinhas, nem linhas.
Apenas um girassol a abrir-se, a tomar todo o jardim.
Onde as vontades são momentos de verdade.

Odete Costa Ferreira, 23-08-17
Foto: Odete Costa Ferreira

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Tempo que fica



Passeio os dias pela macieza do afeto,
num apetite voraz de sabor
a tempo que fica.
Como comensal na mesa de iguarias irrepetíveis.
Humanos risos, humanas mãos
que se tocam no burburinho dos talheres.
Que conversam. Entre-os-dentes.
Demorando-se na boca, na degustação das palavras.
Estaladiças, fogosas, vermelhas de paixão.
Num desnudamento vestido de cores.
De frutos. De mim. E de céu.
Que se compraz no desenho de olhos
em dedos ávidos de fugas.
Para dentro das raízes que somos.
Que se veem. Nas têmporas já maduras.
E nas histórias cheias de enredos.

(Odete Costa Ferreira) - 24-08-17
Obra de Josefa de Óbidos
(Passarei a incluir o apelido Costa nas minhas publicações)

sábado, 19 de agosto de 2017

Tontices e lamechices

Se custou? Em absoluto! Sinto-me como peixe na água, ou melhor, como aquariana num aquário ilimitado de água e tempo! A cadência da contagem mental, medindo a distância, manteve-se ágil. As bordas esbranquiçadas ainda marcam os limites conforme a maré; as ondas permanecem leves como os espíritos que as seguem. O corpo… O corpo é ainda de água a escorrer a malícia do sal benfazejo…
Toquei uma das rochas e o contentamento rebentou, incontrolado, iluminando o rosto e ostentando, sem pudor, as marcas da idade. Durante anos, o conjunto de rochas desiguais, delimitando a praia, foi uma espécie de meta, a marca da superação da caminhada praia afora. Daí que, o gesto simbólico do toque, soubesse ao rebuçado que ainda me é permitido saborear. E, por largos momentos, a sensação de festa não teve idade, apenas um experimento emotivo, o único que sustém o tempo e mantém as asas de anjo…
E todos os pensamentos se assemelhavam, se repetiam, teimando em reproduzir as memórias de verões (sobretudo pela Figueirinha, Portinho da Arrábida e Tróia) com o rebento a apalpar a areia, a chapinhar, a desafiar o mundo azul. Curiosamente, este ano, o olhar só ia na direção da cumplicidade entre avós e netos. E os ouvidos engatilhavam diálogos a partir da doçura das palavras, intensificada pelas bolas de berlim, que os netos e as netas mais crescidos aceitavam prontamente. Ora, férias são férias.  E não se deve recusar ofertas duplamente saborosas dos avós!
Tontices e lamechices… E é tanto!

Odete Ferreira, 18 de julho de 2017
Fotos de Odete Ferreira

Um apontamento sobre o regresso à praia de Monte Gordo, após alguns anos de ausência.


Onde me atrevo a nadar sem receio…


O hábito de deixar chapéus de sol, cadeiras e toalhas na praia, à hora de almoço, mantém-se.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Como Fénix

Obra de Tomasz Alen Kopera

Sossego-me de vida em gesto lento,
apascentando colos de verde alimento.
Há corpos cansados em varandas de espera,
tardinhas secas, dessecadas, moribundas,
Já nada resta do que foi uma praça.

Despega-se a saudade do seu sentido.
É ao vazio que se cantam loas
de silêncio, de olhar mudo, de boca caída,
na apatia de escombros adormecidos.

Pelas ruas que já foram,
Cuido das flores azuis, sobreviventes,
testemunhas de sonhos recentes
e da crença na inalterabilidade dos elementos.

São ares a quebrar vidros,
instantes de roncos intestinos,
ira de deuses proscritos
da perfeita ideia legada.
Falha nossa. Pela boca morrem os atos.

Talvez sejam avisos, mensagens cifradas
no livro da Terra inscritas,
mas ao senso do Homem cerradas.
Que não se perturbem os silêncios emprestados.
São eles que nos permitem o caminho.

OF (Odete Ferreira) – 31-08-16

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Eflúvios


 Arte de Anastasia Vostrezova

Na plasticidade dos dias lentos,
exalta-me o viço da cor,
colírio de rosas brancas,
olhar líquido, abraço sedutor.

Que não fiquem secretos os pergaminhos,
testemunhos de humanos amores.
Dos primórdios chega-nos o rufo dos tambores,
soltando o ritmo, chamando a dança…
Vem de longe, a chama do abraço.

Na plasticidade dos dias escorreitos,
fervem-me líricos espasmos,
eflúvios de palavras fogosas
pluviosidade fora de tempo…
Quando em ti me cerras o peito.

OF (Odete Ferreira) - 24-05-17 

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Sã idade. Ou sanidade

Foto, Odete Ferreira
É sempre um sentimento de plenitude, quando aqui me sento; o rio pausado no descanso das margens largas, abertas ao acolhimento gracioso; a esplanada despretensiosa e despreconceituosa, cenário perfeito para qualquer enredo e personagem; o som alternativo, emergente de emoções que só este adentramento permite; a postura sorridente que capto e captura as palavras, libertando-as para, de imediato, as aprisionar no escrito, testemunha de uma possível definição de felicidade…
E todas as inquietações capitulam.
E todos os sorrisos são risos loucos.
E todos os rostos amados se endeusam.
E todas as almas que não retive em momentos como este, são o quase, o senão para a assunção da felicidade em estado sólido.
E humidifica-me o seu estado líquido, barrento, como tempestade castigadora.
Mesmo nestes momentos. De poesia. Imperfeita, em todo o caso…
(25-06-17)
Obra, Pawel Kuczynski

… e para os casos em que todas as vozes castradas de uma réstia de bom senso se atropelam nas tragicomédias destes tempos. Definitivamente, o acessório saltou para a ribalta. Porque os olhos (e os ouvidos) se tornam, cada vez mais, fúteis. E, assim sendo, o essencial é domínio dos raros. Que serão os novos loucos a precisar de instituir uma outra sanidade…
Odete Ferreira
(30-06-17) 

*as datas são relevantes no escrito 

sexta-feira, 23 de junho de 2017

De profundis

De profundis

Queimam-nos as palavras, por estes dias.
Numa dor que arde para lá dos dedos.
Gritam os silêncios, lancinantes.
Sabemos, agora, do inferno.
E da imolação de almas inocentes.

Têm nome, os cemitérios negros.
E o luto será expiação permanente.
As coisas tiveram posse e raízes verdes.
Os lugares, o espírito das pessoas.
As pedras, quando purificadas pelas águas,
contarão do suplício humano
e do inferno sem redenção.

Por elas, saberemos da cegueira dos homens,
do choro seco e da palavra ardida.
Do tição que ainda há pouco fora vida…

OF (Odete Ferreira) - 21-06-17
Por opção, não quis o poema acompanhado de qualquer imagem

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Cântico


Há perfumes que viciam a perceção destes dias.
Que me cheiram a felicidade.
E o verso inebria-se de futuro.
As palavras, vestidas de outros cantos,
creem-se possuídas de um mandato novo.
Do povo. E eu sou povo.
E sorvo os cheiros puros.
O das flores rebeldes que não devem ser colhidas.
Nem tolhidas.
Nem as pedras devem ser mudadas,
dos lugares da sua história.
Os rostos avivam-se da cor do rio e do mar.
O verde dos limos.
O verde das algas.
E de cheiros:
Dos barcos.
Dos Lusíadas que foram náufragos.
Dos poetas que se prometeram.
De mim. Que te canto. Porque me encanto.
E me solto. Numa lusitanidade que me perfuma o peito.

OF (Odete Ferreira) - 07-06-17

Obra de Júlio Pomar, Camões