quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Respiração


  Nunca escrevi tão pouco e nunca tive tanto para dizer! Nunca fui tão pouco assídua na visitação material às casas das pessoas que nelas habitam, lhes dão luz e me permitem delas retirar um pouco de lustro! E, contudo, nunca me senti tão próxima, tão cheia de palavras! Porque sei (e sabem) que sou presença e cuidado. Porque sei (e sabem) que o tempo, aquele que é rigoroso e impessoal, tem de ser cadenciado, em cada ciclo, para o afeto maior: respiração que me fogueia o coação, oxigena o corpo e me presenteia com promessas de sossego.
    Paz! A condição justa para objetivar, serenamente, as coisas; para percecionar os momentos marcantes e intransferíveis, no nosso percurso pessoal; para deixar a clarividência, como se sibila fosse, pousar nos mais singulares sinais… E essas covinhas, meu anjo, são a leitura mais grata de fazer…
    Obrigada, meu querido amor, por este ano de plenitude. É para ti o primeiro escrito do ano. Foi por ti que o ano de 2017 se fez luzeiro e que os meus braços desanichados se encontraram no farol nascido às 12:07 do segundo dia do ano. Depois, cada momento de ti, se foi colando à minha pele, como segunda camada protetora; cada sorriso, um envolvimento meloso; cada olhar, um estremecimento húmido e circular… E tantas foram as palavras de versos soltos que me sapatearam o caminho…
    Amanhã, meu pequenino, sensivelmente à mesma hora, farei o mesmo percurso de há um ano atrás, para entoarmos os primeiros parabéns, renovando, cada um de nós, um cântico velho de palavras, mas sempre novo no eco emotivo dos votos futuros. E todos te envolveremos na circularidade dos nossos olhares. Brilhantes, como a luz que ainda não apagarás…

Odete Costa Ferreira, 01-01-18, 12:45, Flor de Sal, Mirandela

1.º aniversário do Ivo - 02-01-18 – Porto 

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(In)finitude

Breve é o momento.
Intenso o pensamento.
Incomensurável o estremecimento.

Na viagem memorial, como compor
as palavras na imensidão
de um sorriso germinal?

Escrevo-me de espantos, hoje,
enquanto a chuva, o nevoeiro e as nuvens
- novelos de lã para tricotar o céu
quando o sentir friorento -
me falam de manhãs gulosas
de versos e de beijos nos olhos.

Por isso, hoje, só me encontro no plural
do afeto. A palavra inteira e límpida,
como o olhar dos pássaros luzeiros.
Uns partem ao encontro de outros,
feridos, em amanheceres embrumados.
Outros, estão ali, à espera que as velas
se cumpram nos seus aniversários.

Odete Costa Ferreira, 02-01-18, pelas 11H  
Escrito durante a viagem, Mirandela-Porto, para o aniversário do Ivo

(Na tarde do dia anterior, soubera da partida da querida Alice Queiroz)

domingo, 7 de janeiro de 2018

Tributo a Alice Queiroz


    
O nosso último abraço - 5.º Aniversário da Hora da Poesia em outubro de 2016, programa de Conceição Lima, na Rádio Vizela.

    Na imensidão da festa da poesia, esperei pelo nosso momento. Disseste, depois do imenso abraço, isto anda para aqui tudo descontrolado, eu é que finjo que não é nada. Também nós fingimos, nestes últimos tempos, que não chegaria o dia da partida física. Uns, porque mais próximos geograficamente, talvez tenham conseguido domesticar a falta, mas eu, e tantos outros, que vivemos mais distantes, permanecemos num puro egoísmo, não querendo acreditar que a tua fonte de afetos pudesse ser finita!
    Faltar-me-ão novos abraços, novas palavras, novas flores… E, desta falta, só o tempo será alimento. Agora é dor, é luto. E sei que é preciso fazê-lo. Revisito-te, e revisitar-te-ei, nas palavras que escreveste e nos registos de momentos em que me permitiste entrar na tua casa-coração. Estarás sempre no meu, Alice, até que dele eu tenha consciência. Não sei que perfume era o teu, mas bastou um leve odor para que dele ficasse impregnada para sempre.
    Saudade eterna, amiga!


A Alice e o seu eterno companheiro, Rogério Barbosa, fizeram questão de estar comigo (abril de 2015) no programa  da Conceição Lima, Hora da Poesia, perfumando-me/nos...  Nas mãos da Alice, nasciam flores. Por isso, o seu livro só poderia ter um nome: Jardim de afetos

Odete Costa Ferreira, 03-01-18

(Alice Queiroz: 12-04-1942 – 01-01-2018)