domingo, 22 de junho de 2014

E sorri à madrugada

A sonhar escrevi-te um poema
decalcado na pele do teu corpo.
Decifrava-o como língua gestual
seguias o movimento labial.

Mas perdias-te…
E eu repetia
num crescendo sensual,
Seria da sedutora poesia
ou teu amar que crescia?

(Ao acordar tudo se esfumara
como rua lavada após chuvada)

Em lençóis alvos amarfanhada,
na mão tua imagem desenhada
reconstituí a memória desfocada,
soletrando cada palavra inventada
…E sorri à madrugada.

 OF 19-09-12 
Obra de R. Bassani


Amig@s: já vou arranjando tempo para responder aos vossos comentários. :)

domingo, 15 de junho de 2014

Futuro

Nunca, até há uns tempos recentes, o vocábulo futuro se me afigurou de uma significância tão dúbia, tão desprovida de uma assertiva definição, tão vaga e cada vez mais uma abstração. Pensar o futuro, tornou-se um daqueles exercícios matemáticos de difícil resolução, um desafio que, suponho, os amantes da área devem adorar!
Nã faltam por aí oráculos, disfarçados de malabaristas,  que vão acompanhando a crescente debilidade humana e a cuja consulta não faltam clientes. Parece ser dos poucos negócios rentáveis!
Terminou, em termos de aulas, um ano letivo. Este ano já não exerci (http://portate-mal.blogspot.pt/2013/10/um-novo-ciclo.html ), pois, entre as novas regras da aposentação e o tormento de saber que já não conseguiria ser mais a professora de alma leve, levou-me a optar pela aposentação antecipada, tendo para tal os requisitos necessários, embora logo penalizada em 25% do vencimento. Compensava, feita a simulação. Contudo, nunca auferi, nem de perto, o que seria suposto.
Logo aí, o sentido de futuro abriu uma fenda. E as fendas foram alastrando: o tempo que pensava iria ter para mim, o poder estar mais presente em eventos culturais, a preparação de um novo livro para edição (ressalvo a coautoria em Antologias de poesia e prosa), a escrita de um livro baseado em factos reais… O futuro já não era a rocha onde podia ir beber o ânimo. Antes uma duna de areia à mercê dos ventos. E os ventos de hoje destroem, camuflados de brisas. Das tormentas protegemo-nos. A este silêncio corrosivo, somos impotentes. E já não enfermo só de doenças da alma. O futuro resolveu tornar-se num presente doloroso. E manifesta-se também neste corpo debilitado…
Costumo participar em desafios poéticos temáticos. Este poema talvez complete o quadro da minha desesperança. Por outro, a esperança que gostaria de não perder…

Odete Ferreira, 14-06-14

Partida(o)

Entumescimento vírico.
Dores palpáveis.
Ansiedade perfurante.
Mente delirante.
Atividade febril.
Alma fotografada de perfil
na mala colada
Partida…

Ficaram os sonhos de estudante,
nas ruas os passos gastos,
as portas envergonhadas
das calças coçadas
no vazio dos dias.
Esgares disfarçados
nas faces coradas.
Maratonas perdíveis.
Partida!

A mochila amarrotada
reveste-se de pele dourada
e, à medida que cruza os céus,
pássaros de asas largas
debicam de cada lugar 
sementes germinadas.
Dentro floresce um paraíso…
…Chegada!

Mochila ao ombro,
leve, levezinha.
Concerto na praça.
Sinal de bom augúrio!
Sopra, num murmúrio
- outro mundo…

Abre a mochila.
Não vê mas crê.
Sorrindo estuga o passo.
Desce lenta a noitinha…

OF – 11-06-14
Obra de Francisco Eduardo

sábado, 7 de junho de 2014

Coreografias


Há instantes que fugiram,
momentos vestidos em vertigem,
atordoamentos atormentados.
Há saudades que faltaram,
circunstâncias que escaparam,
escorregadias entre dedos
que afagaram os teus medos
(sim, os que ainda
estão colados no teu ser
apesar de liberta a tua alma).

Não os sonhas
(também adormecem).
Então inventas em ti
um mundo feito à medida
de outros mundos incompreendida.

Bailas as valsas compassadas,
os tangos em corpos colados,
desacertados dos passos
de sentires interditos.

Longe, cada vez mais longe,
imagens desfocadas
trazem-me teu corpo
desidratado de amor.
Cubro-te de perfumado suor
e coreografamos os instantes que fugiram.

 OF  -  22-12-13
 Pintura de Henri Matisse