Obra de Oleg Shuplyak
Acordei com o credo na boca. Literalmente! Nunca me havia
acontecido. Rezava o credo e quando tomei consciência de tal, lembro-me
exatamente em que parte da oração estava.
Sabemos que, muito do que sonhamos, na minha leiga convicção, advém
de algo que nos agrada ou desagrada. Mas, uma oração! Fiquei uns minutos a
matutar, chegando à conclusão que até tinha lógica. Pura associação de factos,
entrosados com as minhas crenças e as reflexões resultantes de um contraditório
mental, na sequência de tudo o que, ao longo da minha vida, foi moldando o meu
ser. O credo é, afinal, a mais perfeita paráfrase do nosso “creio”.
De véspera, o debate entre o atual primeiro-ministro, Pedro Passos
Coelho, e o candidato a tal pelo maior partido da oposição, António Costa. E
tudo terá vindo em catadupa: a descrença generalizada nos partidos políticos; a
progressiva desconfiança da europa comunitária e o questionamento sobre a moeda
única; o crescente (mas sempre latente) dos nacionalismos exacerbados e as
ideias que lhes subjazem; a permanente inquietação perante tantas ações
terroristas, sejam estas de que natureza for. Em suma: o desconcerto, a dúvida,
a incerteza…
É este planeta que nos permitiu sermos. E não temos sabido ser. Ao
longo dos tempos a arena torna-se cada vez maior. Digladia-se a dignidade a
todo o momento. Com golpes estratégicos, encurtam-se as margens. E um rio
desgovernado não tem discernimento. Sabemos que é premente regularizar as
margens. Só não sabemos por onde começar. Por isso o credo tem cada vez mais
sentido.
Odete Ferreira – 06-09-15
Credos na boca 2
“Prognósticos só depois do jogo”. Sempre me causou um certo
desconforto este leitmotif
futebolístico. Nos dias desconcertados que o país vive, após o resultado das
eleições legislativas de 4 de outubro – e que tenho acompanhado intensamente –
dou por mim a perceber o seu alcance. Facto que só comprova que, mesmo em
termos de linguagem, o radicalismo é sempre uma teimosia só aceitável aos
burros com palas nos olhos para não se desviarem do caminho traçado pelo dono.
Estou a viver, com o entusiasmo do abril de 74, estes tempos. E sinto-me
privilegiada. À data em que escrevo, o acordo da esquerda já fez história. Não
sei o que decidirá o senhor presidente da república, embora os cenários não
sejam auspiciosos; contudo, sinto orgulho dos que ousaram não ter medo.
Evoca-se, frequentemente, os feitos dos portugueses quando deram “novos mundos
ao mundo” (1), apesar dos fantasmas personificados pelo velho (2) nos Lusíadas.
Partir foi uma ousadia. Com credos na boca. Certamente! Orgulhamo-nos da nossa
história, dos heróis de antanho, mesmo sabendo que nada é preto ou branco e que
sempre existem interesses por detrás de decisões. Mas, não é o interesse, a
curiosidade que nos impulsiona para a frente? Por estes dias não consigo
perceber (percebo mas não concebo) os que têm tanto medo de que Portugal “pule
e avance como bola colorida entre as mãos de uma criança” (3). Ousemos trilhar
outro caminho quando um se revelou tão cheio de espinhos. Este velho continente
bem precisa de voltar à escola e aprender outras linguagens.
1 – estrofe 45, Canto II, Os Lusíadas; 2 – estrofe 94, Canto IV, Os Lusíadas
3 – Pedra Filosofal de António Gedeão (no original os verbos estão
no presente do indicativo) - https://youtu.be/9r6FqT7F1s0
Odete Ferreira – 12-11-15
Credos na boca 2 - Adenda
Parece-me que a vida é mesmo assim, uma sequência de adendas.
Talvez seja por isso que não tenho apetência por reler escritos; talvez seja
também por isso que os dato e os enquadro no local, acrescentando,
frequentemente, a circunstância em que ocorreram. Só assim se justificam, a
meus olhos. Naquelas circunstâncias tinham vida. Depois sepultam-se e
transformam-se em memoriais.
E esta adenda tem a sua razão de ser à luz dos atentados perpetrados
ontem, 13 de novembro pelo autoproclamado Estado Islâmico, em Paris. Não para
fazer a sua análise, para tal existem pessoas especializadas nestas matérias;
apenas para fechar o pensamento que perpassou nos textos “Credos na boca”. Num
mundo globalizado, impõem-se soluções globalizadas. Mais do que nunca são
necessário líderes com uma formação alicerçada na tolerância e numa forte
convicção do bem mundial; que não tomem medidas compelidos pelo imediatismo e
sob a natural comoção que nos entra pela casa dentro; que não cuidem apenas dos
seus quintais…
Já não é possível manter o orgulhosamente sós. Humildemente, que
sejam parte da solução e não do problema. Utópico? Talvez! Mas continuo com os
meus credos na boca. Desta vez, esperando que se não se assista a mais uma
estratégia retórica para iludir os incautos. Em nome das vítimas inocentes. Em
nome da Humanidade.
Odete Ferreira – 14-11-15