domingo, 4 de junho de 2023

Em 2020 - Entrevista - Jornal "Os Mirandelenses"


Jornal Os Mirandelenses – Odete Costa Ferreira, escritora, poetisa. Porquê?
Antes de mais, esclareço: se tomasse a escrita como central na minha vida, diria que não sou escritora, nem poetisa. Tomando-a como complemento essencial do meu todo como pessoa, direi que escrever, em prosa ou em verso, me afirma como escrevente, numa necessidade de comunicar e exprimir na palavra, (cultivando-a e explorando a sua significância) a relação da minha interioridade com o que é externo a mim, sejam as coisas, sejam as pessoas.
Jornal Os Mirandelenses – Desde sempre percebeu que o seu destino era ser escritora?
Não, de todo! Aliás, não acredito no destino, enqunto conceção determinista. O ser humano constrói-se, num processo complexo, sendo a vontade, a curiosidade e o deslumbre, alavancas basilares. Se algum destino houve, foi o de leitora, mais ou menos compulsiva, conforme as exigências académicas e profissionais, sendo que, em ambas, se impunha ser fluente nos diversos registos do uso da Língua Portuguesa.
Jornal Os Mirandelenses - De facto, considera que um livro é o culminar de muita escrita e reescrita…?
Colocar em livro o que se escreve, deve ser um processo exigente, traduzindo honestidade intelectual e um enorme respeito pela língua e pelos leitores. O livro, em si, pode não passar por um processo de reescrita (exceto qundo se trata do género narrativo), mas de muita escrita, sem dúvida, e de reescrita prévia, quando se trata de poesia; neste caso, também se exige seleção dos poemas, organização e, quiçá, construção de uma narrativa poética coerente e, havendo engenho e arte, de uma unidade interna e estrutura formal cativante.

Jornal Os Mirandelenses - Como descreveria o seu livro de poesia “UM CIBO DE NÓS”?
Eis a pergunta mais difícil, porque não há um enredo , mas enredos e todos eles relevantes, isto é, cada estrofe ou poema é portador de uma história, de uma mensagem, um cibo de um todo, que é o “Nós”. É uma viagem do Homem e da construção da sua humanidade; do seu sentido, do seu desiderato, enquanto ser coletivo. É,  também, a história do homem português, do transmontano, da sua vontade de ir mais além, e temos a lusofonia presente; depois, unindo tudo, está presente o eu poético, a relação com o mundo global, o coletivo, o NÓS, e a expressão do seu sentir, mais dócil ou indignado, perante o seu mundo de mais perto, o país, a região, a cidade. Um Cibo de Nós está organizado em dez capítulos (I- Dos Partos; II-Dos Rostos; III-Das Almas; IV-Da Minh´Alma; V- Das Dores; VI-Da Mulher; VII-Destes Tempos; VIII- Do Coletivo; IX-Da Liberdade; X-Da Incerteza; Epílogo), elegendo-se, em cada um, uma temática predominante; a transição e ligação entre eles é feita por uma estrofe que retoma o anterior e prepara o seguinte. O epílogo é o fecho da viagem, mas também pode ser o início de outra, a do leitor, por exemplo. A organização do livro teve um propósito: se não editar mais nenhum, este é um livro que representa, muito bem, as idiossincrasias da minha escrita poética. Decorridos nove anos, após o meu primeiro, foi assim que me quis revelar.
Jornal Os Mirandelenses – Em termos de realização pessoal como vê os comentários sobre o seu livro?
Como decorreram apenas duas semanas entre o lançamento (29 de fevereiro, no Museu Armindo Teixeira Lopes, Mirandela) e o confinamento, não pude contactar com a maior parte do público que esteve no lançamento. Apenas me chegaram os comentários de leitores que o adquiriram neste período. Contudo, para lá da prefaciadora e do editor, que teceram rasgados elogios, registados no livro, devo dizer que me sinto extremamente gratificada pelo respeito e apreço que têm verbalizado, quer quanto ao conteúdo, quer quanto à sua organização interna. Sobretudo, dizem-me que, chegados ao fim, queriam mais, tal o interesse que a leitura lhes desperta.
Jornal Os Mirandelenses - A inspiração é uma maldição ou um bem necessário?
Apesar de não gostar muito do termo inspiração, no que ao ato criativo diz rspeito, direi que é um bem necessário. A palavra é uma ferramenta agitadora de consciências. Não devia fazer parte do ser humano a passividade com que, conhecendo, se ignoram verdadeiros atentados contra o direito à existência como pessoa.
Jornal Os Mirandelenses – Os seus poemas permitem retratar-se na sua máxima plenitude?
Lapidarmente, diria que uma significativa parte deles o permite, sobretudo os que, a eles, consigno o meu pensamento face ao mundo que me rodeia e minha posição face às suas problemáticas, notadamente, as que envolvem qualquer tipo de ferida na dignidade humana.  
Jornal Os Mirandelenses – Como também escreve prosa, onde se sente mais à vontade?
O à vontade vem, sobretudo, do impulso do momento e a forma como o quero exprimir; a par, está a disponibilidade mental e o tempo que, nesse momento, tenho para escrever. Assim, tanto pode surgir um texto em prosa, como em poesia, quando se trata da vontade ou necessidade que tenho de escrever, de verter o meu sentir. O mesmo acontece quando respondo a desafios literários para participar em coletâneas/antologias ou em concursos literários. A prosa exige mais tempo, por isso é que, além de crónicas e textos de opinião, só tenho alguns contos publicados em coautoria.
Jornal Os Mirandelenses - Tem novos projetos em mente? Se sim, pode falar sobre eles?
Além da escrita em si, queria ter tempo para organizar um outro de poesia, numa linha temática que ficou fora de “Um Cibo de Nós”, uma linha mais ligada aos afetos. Um livro de contos também cabe no meu projeto de escrita. Por estes dias, há outras preocupações. Infelizmente!

6 comentários:

  1. Olá, Querida Odete
    Li atentamente esta entrevista e adorei.
    Muito obrigada por a teres trazido ao nosso
    conhecimento.
    Tudo de bom te desejo.
    Beijinhos
    Olinda

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  2. Confesso que foi uma surpresa boa encontrá-la hoje aqui neste seu espaço e logo com uma entrevista. Parabéns, Amiga.
    Tudo de bom.
    Um beijo.

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  3. Suas palavras foram poderosas e instigantes. Obrigado por compartilhar!

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  4. Gratidão por fornecer uma nova perspectiva sobre um tópico familiar.

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