terça-feira, 10 de novembro de 2015

Dias de pleno direito


Obra de Josephine Wall

Há sempre dias com direito à reflexão. De plena reflexão, ainda que haja horas de tímidos sorrisos e de um disfarçado sentimento de contentamento quando revemos amigos que vemos, praticamente, de ano a ano. E só pelo facto de nos olharmos, celebrando a vida, em contraponto com a homenagem aos entes queridos que partiram antes de nós, sentimos um certo incómodo contrariando a naturalidade da condição humana: nascer, viver e morrer. Palavras de duas sílabas, curtas, tal como o ciclo de qualquer vivente. Rejubilamos com os ciclos naturais da natureza. São festejados com rituais quase sagrados. Desmedidos à medida que percecionamos o seu significado…
Gosto de cemitérios. Demoro-me, de quando em vez, junto de espaços de gente anónima. Observo os rostos, as lápides, atento nas datas de nascimento e morte. Calculo a idade de vida. Também acontece emocionar-me quando a vida desse alguém fez parte da minha…
Por isso gostava de ver rostos sorridentes no dia dos finados. Sem vergonha. Sem culpa. Sem o cinzentismo do vestuário, destoando do branco florido e da luz tremeluzente  das lamparinas. Mas a verdade é que até as conversas se falam em surdina. Rostos taciturnos, fechados. Felizmente que a alma, invisível aos olhos, pode celebrar a vida dos que partiram, evocando o que nos foi gratificante partilhar.
Nestes dias, a vida ganha mais vida. Tão só porque o meu olhar se abaixa, se afunila e os rostos dos ausentes me transportam ao seu tempo. E são tantas as vidas que me convidam para a sua mesa…

Odete Ferreira – 01-11-15  

12 comentários:

  1. Odete, é mesmo difícil encontrar rostos sorridentes nesse dia. É que, mesmo os que não vão ao cemitério, ficam voltados para as suas perdas. Confesso que foi um dia triste para mim, mas lá estive, embora não goste, orando por minha mãe que há um ano faleceu. Há silêncio e paz naquele lugar. Como você, olho datas, faço contas... e me sensibilizo ainda mais quando estou diante de lápides de crianças e jovens. Antes de ler sua postagem não havia, em nenhum momento, refletido da forma com que o fez. Você colocou beleza, e vida, nesse olhar para baixo. Gostei demais de seu texto. Grande beijo!

    ResponderEliminar
  2. Partilho um pouco do pensamento da minha amiga, pois os cemitérios são as cidades de Deus e não é para se estar triste apesar de irmos visitar alguém que perdemos mas que se encontra nos braços de Deus.
    Um abraço e continuação de uma boa semana.

    ResponderEliminar
  3. Não ligo muito ao dia de finados, e raramente vou ao cemitério nesse dia, muito embora desde que meu pai morreu em 2009, rara é a semana em, que lá não vou. Dia de finados para mim são todos os dias em que me lembro dos entes queridos que se foram e lembro-me quase todos os dias.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  4. Boa noite, gostei de vir aqui te visitar. Um texto que nos dá a dimensão do que sentimos ao visitar um cemitério. Festejamos ou homenageamos os entes queridos que estão lá. . Lápides lindas, epitáfios repletos de reflexão, porém não podemos esquecer que há a esperança de uma nova vida,a vida espiritual. Belíssima postagem. Grande abraço!

    ResponderEliminar
  5. Abriste o teu peito e deixaste-te vaguear por entre o mármore das palavras. Que também são brancas para mim. Não me detenho no dia 1. Afinal é dia de alegria não de finitudes. Mas o cerimonial ultrapassa o coração ( às vezes), quando as flores são repasto para olhos indiscretos e as orações fluem em cantilena monocórdica.
    Vou ao cemitério a desoras para ouvir o silêncio das folhas caídas na cama de meu Pai que adoro, e olhar seu rosto coberto de tantas recordações e saudade. E ninguém me interroga nem se interroga. Porque estou em diálogo com o Céu.
    Beijinho, Odete

    ResponderEliminar
  6. Nunca vou falar com quem já partiu nesses dias.


    Vou quando posso e raramente mais do que uma vez por ano, dado terem ido para longe , por vontade própria.

    Viva a Vida, amiga , e um abraço afectuoso para ti deixo.

    ResponderEliminar
  7. ~~~
    ~ Cada vez lamento mais a efemeridade da vida...

    ~ Uma abordagem muito interessante ao tema.

    ~~~ Abraço amigo, Odete. ~~~~~~~~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

    ResponderEliminar
  8. Não é fácil estar sorridente num cemitério. Mas entendo tão bem o teu ponto de vista, amiga. Este texto é de reflexão e um magnífico exercício de escrita...
    Um beijo.

    ResponderEliminar
  9. Os cemitérios são locais de autêntica paz, onde a vida e a morte se entrelaçam. Onde as recordações dos que se foram, nos assaltam a alma de forma gentil.
    Muito inconsequente a quase "obrigação" de se estar triste, dessas "conversas em surdina" de que falas. O Dia de Finados deveria ser um dia de reflexão e celebração da vida, mesmo que por vezes com uma lágrima teimosa a assomar-nos ao olhar. Porque quem partiu não gostaria de saber-nos tristes.
    Belo texto, Odete. Numa perspectiva com a qual me identifico.
    xx

    ResponderEliminar
  10. Boa noite, Odete. Não gosto de cemitérios, lembro com amor das pessoas que se foram sem fazer culto algum a elas, até nesta data específica, não me sinto bem.
    Perdi pai, avó e mãe, não tem como esquecer, mas prefiro e preciso para o bem deles que o meu espírito não fique triste, o que é difícil, mas peço proteção divina para eles.
    Seu texto é muito bom e a alegria tem de prevalecer, para que o luto?
    Devemos lembrar dos momentos bons que passamos com quem amamos.
    É claro, que vez em quando ou muito o choro vem, mas ele habita em nós e não em paredes frias ou numa data tão somente.
    Que Deus guarde os nossos amados.
    Tenha um fim de semana de paz!
    Beijos na alma!

    http://divasdapoesianaturalmente.blogspot.com.br/2015/11/as-facetas-da-inspiracao-by-patricia.html

    http://redescobrindoaalma.blogspot.com.br/2015/11/caminho-de-paz.html

    ResponderEliminar
  11. Que texto belíssimo, nos toca renovando o olhar...
    Adoro este teu sentir poético e filosófico, no qual me sinto
    de mãos dadas contigo para o mesmo olhar, gosto de
    um caminhar libertário, não carregando a vida, mas
    dançado com ela...
    Bjos, minha querida amiga!

    Ps: Não importa o tempo das tuas visitas no meu espaço, mas
    a tua presença na partilha (alguns bons anos) no teu tempo,
    com esse teu olhar luminoso que adoro (aprofundando a minha
    poética)...Grata!
    Depois volto para comentar a tua outra postagem (meu tempo,
    bem corrido neste período)...


    ResponderEliminar
  12. Como te compreendo, Odete!...
    Não me enquadro no teu gostar de Cemitérios. Desde criança que os respeito e respeito quem neles repousa.
    Desde criança interiorizei o sentimento de "ver" vivos aqueles que já partiram.
    A Guerra, ampliou, em mim, este mesmo sentir.


    Beijo
    SOL

    ResponderEliminar