terça-feira, 3 de outubro de 2017

Por algum tempo


Chega-me o cansaço do vazio espaço.
Por algum tempo, o olhar ficará inquieto,
vagabundo do pátio, sem o abrigo da casa-jardim.
É a nostalgia dos gestos matinais
e do bom dia que o café não exalará,
no alpendre dos pensamentos veraneantes.

Suspira-me a alma, numa confidência muda,
a amarelecer as hastes do tempo verde.
Bem sei que é sinal da mudança da hora,
do fechamento do sol à intrepidez dos dias,
do recolhimento das horas largas de sol.

Por algum tempo, nada saberei do amor
jurado nos braços nus das esplanadas.
É o mistério a pulsar o passo que traço
e repasso em nova geometria,
inversa à nitidez das coisas,
um quase lusco-fusco da claridade.

É preciso ir para lá do jardim, passar o muro,
rebaixar a altura para apanhar o colorido
que se oferece numa profusão de tintos
que não sei manejar; sei, apenas, retirar a essência,
o pó que realçará as tuas maçãs do rosto, mãe.
Por algum tempo, será outono. Mas, em ti, não.

Odete Costa Ferreira, 27-09-17

Obra de Olga Blinder

25 comentários:

  1. Que dizer deste belo poema? Quem dera saber comentá-lo como merece.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  2. Lindo!

    Algumas vezes sentimos necessidade de um pouco de desbotamento, para que o colorido encontre novas nuanças e se re-instale outra vez a festa das cores, dos sentidos!

    Obrigada pela visita e pela delicadeza do comentário.

    Beijo!

    ResponderEliminar
  3. "Por algum tempo, o olhar ficará inquieto"... Inquieta fiquei eu ao ler-te porque este poema que fala do Outono é também um poema de sobressalto a roçar a emoção, o uso íntimo de uma Natureza que se transforma...
    Magnífico o teu poema, Odete.
    Um beijo.

    ResponderEliminar
  4. Gostei dessas "hastes de tempo verde", numa iminente presença de aromas amarelos na placidez da luz que quer hibernar.
    Belíssimo e nostálgico poema cujo vocativo ainda me dói.
    Abraço, querida amiga!

    ResponderEliminar
  5. Quase tudo é "por algum tempo". Feliz e/ou infelizmente...
    Achei o teu poema muito sincero (não sei bem se é este o termo certo), vindo das profundezas da alma. Para além disso é magistral na construção poética, com imagens poéticas só ao alcance dos mestres. Resumindo, a excelência deste poema saltou para lá do jardim, passou o muro,
    mas sem rebaixar a altura para apanhar o colorido e muitas coisas mais. PARABÉNS, minha amiga Odete.
    Beijo.

    ResponderEliminar
  6. Me gustan las metáforas que se incrustran en el poema, me huele a como si fueran jazmines del alma del poeta que lo escribe. Está como cubierto por un velo de paz y de tristeza que discurre a lo largo de las palabras que van entrelazando los versos. Un abrazo. Franziska

    ResponderEliminar
  7. Um poema lindo e inquietante, sim é esse o termo que me calou fundo, principalmente no último verso:

    "É preciso ir para lá do jardim, passar o muro,
    rebaixar a altura para apanhar o colorido
    que se oferece numa profusão de tintos
    que não sei manejar; sei, apenas, retirar a essência,
    o pó que realçará as tuas mação do rosto, mãe.
    Por algum tempo, será outono. Mas, em ti, não."
    Beijo, minha amiga, uma feliz semana.

    ResponderEliminar
  8. Estou com o mesmo drama da Elvira "Quem dera saber comentá-lo como merece" mas posso dizer que gostei bastante de o ler e tem um belo final.
    Um abraço e boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

    ResponderEliminar
  9. Olá, lindo poema, o mesmo é "o mistério a pulsar" gostei de o ler, acontece que todos os seus poemas.
    Feliz semana,
    AG

    ResponderEliminar
  10. Há abraços que são transfusões de sangue
    Bj

    ResponderEliminar
  11. Lindo poema...Mais um de entre tantos outros! Beijinhos grandes.

    ResponderEliminar
  12. A nostalgia do fim de Verão que também sempre se infiltra nos meus sentidos e psiquismo.
    Felizmente chega tarde, pois estamos a vivenciar um magnífico verão prolongado.
    A recordação da mãe é comovente e faz parte desta inerente melancolia.
    Um poema muito sentido e belo, Odete
    ~~~ Beijos ~~~

    ResponderEliminar
  13. Este saber da importância do sentir e dele guardar o
    colorido do afeto, na essência dos gestos, que em
    essência se eternizam...
    Um privilégio te acompanhar na tua grandiosidade
    poética a cada leitura. Uma saudade imensa de ler-te...rss
    Voando nos espaços dos amigos para deixar votos de um
    feliz final de semana!
    Beijos, querida Odete!

    ResponderEliminar
  14. Mostras mulher pensativa
    E um poema com a luz
    Que muito encanta e seduz
    Pelo primor da assertiva.

    A vida é uma força ativa
    Que nos expande ou reduz.
    O fado não nos conduz
    Não nos amarra ou cativa.

    Somos livres como o vento
    Porém nosso sentimento
    Faz-nos ser seres humanos

    E assim ao destino, atento
    Eu fico. Em momento
    De luz, somos soberanos.

    Parabéns Odete pela bela postagem e extraordinário poema cheio de assertivas e dúvidas como a vida é! Bom fim de semana! Abraço. Laerte.

    ResponderEliminar
  15. Os Outonos da vida... têm belezas tão particulares, quanto os Outonos do tempo... e as estações, também têm a sua alma tão característica... quanto as fases da vida...
    Gostei imenso da serenidade e aceitação... que emana deste poema, belo e profundo, que gostei de descobrir, por aqui...
    Beijinho! Boa semana!
    Ana

    ResponderEliminar
  16. poema de grande sabedoria, diria quase ascético, a sublimar a dor em beleza partilhada.

    gostei muito, Odete

    beijo, amiga

    anuncio-te que reabri os comentários no meu blog - espero continuar a merecer a tua presença amiga

    grato

    ResponderEliminar
  17. 20 de outubro dia do Poeta.
    Querida Poetisa, que jesus te iluminando e que você continue nos encantando com suas lindas poesias.
    Já dizia os poetas:
    “Ser poeta é fazer de cada despedida uma saudade
    É ter nas mãos os sonhos, vivê-los de verdade
    Chorar, sorrir, sem medo de viver...”

    “Poeta para ter o dom...
    Das palavras...
    Palavras de ternura... de carinho...
    E poder encher...
    nossos coração com amor
    Escrevendo seus lindos versos e poesias”.

    Parabéns!

    ResponderEliminar
  18. Reportou-me a um instante entre matizes fenomenais, beijos

    ResponderEliminar
  19. Boa tarde, Odete, nossa! há tanto a comentar sobre esta magnífica obra.
    Suspira-me a alma, numa confidência muda,
    a amarelecer as hastes do tempo verde.Será que fala do tempo, será que fala da velhice, será que fala da morte? Há tantas leituras a fazer..... Mas é extremamente interessante este poema. Beijos!

    ResponderEliminar
  20. Para este belo momento poético, estes meus pensamentos:
    - A poesia das pequenas coisas
    - O sabor volátil das horas que passam
    - O inquietante ar do crepúsculo
    - A insustentável leveza de um momento de evasão!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Amigo Jorge: muito grata pela presença e perspicaz olhar sobre o poema.
      Penso que terá lido a anterior publicação, "Fez-se história, em Mirandela". Esta sim, foi um momento de sublime poeticidade!!!
      Abraço

      Eliminar
  21. Querida, amei o poema e destaco " É preciso ir para lá do jardim, passar o muro,
    rebaixar a altura para apanhar o colorido... " Quanta sensibilidade poética. Quem dera saber apanhar o colorido que está lá do outro lado e enfeitar meus dias. Amei! ABraços

    ResponderEliminar
  22. Há uma pancada de tempo tinha estado por aqui. Tinha comentado. Mas, de imediato, percebi ter perdido tudo. Danado que fiquei... pois era um aspirante a poema. Tinha-o feito com tanto gosto. No fim tinha dito: gosto disto!
    O smartfone faz-me destas partidas.
    Não vou fazê-lo agora. Basta-me dizer-te que gosto muito do teu tom, da forma como dás formas às coisas, como expressas emoções, comoções: tens uma forma especial de soprar as palavras.
    Este teu poema tinha-me entrado forte.
    Entretanto estive doente (eam). Estou?, Estou, mas, o pior, já passou. Não voltei ao que era. Tás a ver uma rua engarrafada? É como me sinto, sem coice.

    Bj

    ResponderEliminar
  23. Quedo-me aqui a ler e a reler o teu poema, minha amiga.
    Nesse lusco-fusco me enleio e procuro ver também mais além, contigo.
    E vejo, vejo o poder e a magia das tuas palavras e a forma como para
    ti são irmãs, residindo com elas num palácio de encantamento.

    Beijinhos

    Olinda

    ResponderEliminar
  24. Belíssimo poema, inspirado e muito bem construído. Aproveito para desejar um ótimo 2018.

    ResponderEliminar