sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Mulher-dor


Penduravas nas cordas a íntima roupa,
como oferenda a um deus redentor.
Ia-se o lamento na levada do sol. Uma benção!
Tal como os frutos dados ao sequeiro,
para mitigar as fomes do longo inverno;

o inverno que te caiava o rosto,
fazia tempo; o tempo que te ressecara o viço,
te revirgindara no preto da íntima pele.
Culpavas o fumo do lacrimejamento
que te inflamava os olhos verdes,
já apequenados e secos de gente.

E era fumeiro, em pleno verão;
do bulício do regato fizeste retratos imprecisos.
Que mastigas, chamando
a saliva que te desfaz o carolo de pão.
No teu rosto, mulher-dor, só vejo camas de espera.
Onde te deitas. Há muito, só!

Odete Costa Ferreira, 11-10-17

Obra Edvard Munch

24 comentários:

  1. Um excelente poema amiga. Um retrato de solidão divinamente pintado.
    Um abraço

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  2. Belo poema, Odete, a solidão é toda uma dor tão grande que não suportamos na maioria das vezes. E dá lugar a uma grande depressão.
    Um beijo, uma feliz semana.

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  3. Intenso poema. Ha sido una lectura muy gtrata. Un abrazo y una feliz semana. Franziska

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  4. poema que se entranha.
    como o luto e as dores das mulheres vestidas de negro

    enorme teu poema, Odete

    beijo, minha amiga














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  5. A solidão de tantas mulheres à míngua de tudo, fragilizadas nos afectos, tão próximas da violência que espanta como se aguentam...
    Um poema excelente, Odete. Comovente, até.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  6. Odete, à medida que ia descendo, verso a verso, estrofe a estrofe, um nevoento fumo queimou-me os olhos.
    Emocionei-me.

    Há tempos que não pico o ponto por aqui. Andei, ando com o coração em bola das.

    Bj.

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  7. Excelente texto poético, primorosamente urdido, onde falas
    com a dureza necessária da solidão em tempo de declínio e
    escassez...
    Realista, tocante, impecável.
    Grande abraço, Odete.
    ~~~~~~~~~~

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  8. Olá, como sempre acontece por aqui, a partilha poética é maravilhosa, a mesma foca a realidade de muitas pessoas, que infelizmente vivem a má solidão.
    Continuação de boa semana,
    AG

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  9. Não é raro que à velhice se junte a solidão. É assim a vida, infelizmente.
    Os meus aplausos pela excelência do poema.
    Bom fim de semana, amiga Odete.
    Beijo.

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  10. Um poema excelente a desnudar a dor das mulheres
    fortes viúvas, a ritualizar a cultura enraizada
    na história de vida...
    A solidão destas mulheres que construíram a
    estrutura familiar numa dignidade exemplar.
    Muita bela a tua homenagem, querida Poeta.
    Viajei neste teu excelente poema com a música
    do Chico Buarque em "Mulheres de Atena".
    Encontrei a mesma profundidade e beleza...
    Saudades de ti, Odete!
    Meus votos que tu esteja bem no toque da felicidade!...rss
    Bjos.

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  11. A amargura e a solidão cantada neste belíssimo poema. Já tinha saudades de te ler amiga Odete. Aos poucos vou tentando voltar. Boa semana e beijos com carinho

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  12. Oi, Odete!
    Você se supera a cada poema! Que saudades daqui!! A escolha desse trabalho de Edvard Munch ilustrou deveras seu poema! A melancolia é dor mais profunda que a triste depressão. Entra como uma lâmina fina e longa penetrando a alma e sugando seu viço. Há de existir redenção!!
    Beijus no coração!!

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  13. Mulher-dor, que já deu amor, e a solidão sabe de cor...
    Apesar das cores, um retrato bem actual, Odete.


    Um beijinho :)

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  14. Amigos e amigas,
    impõe-se, nesta publicação, uma breve nota: todas as leituras que foram feitas são pertinentes e cabem muito bem no poema. Subscrevo-as e fico-vos grata. Contudo, quero partilhar convosco a sua matriz: através da personificação da mulher-dor, há o profundo lamento do isolamento a que as terras do interior estão votadas. E a tragédia dos incêndios, não se dissocia desta dolorosa realidade.
    Estive, estivemos, estamos e estaremos em luto.
    Abraço-vos

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  15. Odete , só posso agradecer sua generosa partilha . Seu olhar poético que nos emociona , sempre . Beijos

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  16. Triste ente!... A solidão
    Deixa, pois, o ente doente
    Pelo amor que ele não sente
    Por si, ou pensa que não.

    O ser humano é paixão,
    É amor qual supremo ente
    E estando do grupo ausente
    Vive sem vida e em vão.

    A solidão é um estado
    Onde se deixa de lado
    A vida e tem-se a visão

    Que tudo é triste e o passado
    É o futuro - o legado
    Do presente em solidão.

    Belo poema o teu, Odete, mas triste. Parabéns pela poesia que há nele! Fiz uma releitura... Desculpe-me brincar com minha cabeça a tomar o foco dos teus belíssimos versos. Abraço. Laerte.

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  17. O poema e a a pintura de Munch; estão em muita sintonia.
    Boa continuação de semana.

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  18. Este poema retrata muito bem o interior do nosso país. De trapos humanos cambaleantes debaixo de escaldante sol a pino. Insistem. Persistem. E não só dormem sós, como morrerão sós, esquecidos de Deus!
    Beijão, amiga Odete!

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  19. Querida Odete

    A partir da matriz que partilhas connosco, subentendida no teu poema, não há dúvida que o isolamento do interior é um drama que se vai revelando cada dia que passa com maior acuidade. Os momentos de dor por que passaram as pessoas que sofreram perdas irreversíveis nos incêndios coloca-nos numa situação de luto, como bem referes. A imagem da mulher-dor como imagem da mãe-natureza queimada e esventrada adequa-se sobremaneira.

    Beijinhos

    Olinda

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  20. Es una tragedia humana que nos afecta a todos que tiene una figura de mujer, un rostro una mirada y unos sentimientos que nos hablan. Me ha impregnado de dolor que he hecho mío porque es nuestro, lo es de todos. Feliz fin de semana. Un abrazo.

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  21. Um tocante retrato de vida... em palavras... de uma vida dura e difícil... como realmente são ainda... e sempre foram, tantas vidas, de tantas mulheres, no nosso Portugal mais profundo... sendo elas as ancoras, e os pilares de tantas casas...
    A pintura escolhida, não poderia combinar melhor...
    Como sempre, um post de excepção, Odete! Parabéns!
    Beijinho! Bom fim de semana!
    Ana

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  22. Passei para desejar uma boa semana.
    Abraço

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  23. Excelente poema que pode ser lido, na minha opinião, em dois registos: a da solidão de uma mulher e de uma região.


    Beijinhos, meu bem

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