sábado, 13 de abril de 2013

Emigrei. Ponto final.



Emigrei. Ponto final.

Hoje não estou cá! Emigrei. Não saí do país. Apenas sei que é um lugar onde o pensar e o sentir andam de mãos dadas. Hoje não podia estar cá. A tristeza da chuva, os cinzas e os pretos das pessoas que vestem o luto do país, são-me insuportáveis. Hoje é impossível sentir algo de colorido e o esforço de o pensar, uma violação mental. Tão pouco me apetece enfeitar o meu estar com sonhos, metáforas ou imagens, tão apetecíveis no ato de poetar.
Como estou assim tão entediada e sem vontade de sentir olhares enviesados, silenciosos mas recriminativos, emigrei! Aliás, segui um conselho sábio: já não há lugar para o sonho, temos de deixar de ser tão românticos (ouvi dizer a alguém numa rádio – até podia dizer o nome da pessoa e do meio de comunicação que lhe deu voz, mas não merece esse instante de fama neste meu escrito!).
Emigrei, ponto final. No tal lugar, os jardins simplesmente existiam, cuidando-se como vizinhos em sociedades comunitárias; a singeleza das flores era de uma beleza tal, que foi fácil esquecer o estímulo de prazer de ramos florais, cuidadosamente elaborados pelas floristas. Tive dificuldade em descobrir a presença de pessoas. De tão coloridas, perturbavam a minha perceção, julgando-me num infinito de arco-íris, profusos, amplificando-se… Visão surrealista, decerto. Não acredito em paraísos terrenos e desconfio mesmo da semântica da palavra paraíso. O deslumbramento tornou-me demente, pensava. Mas logo me sossegava com a certeza de ser impensável existir por ali algo semelhante a hospícios. Talvez tivesse emigrado para o Woodstock, lugar de culto do “peace and love”.
Uma época. Um paradigma. O abalar do “status quo”. A revolução geracional que vivia para o pensar e o sentir. Como me senti perturbada pensando nos jovens dos trinta, penando por um trabalhito do qual precisam visceralmente para sobreviver numa sociedade em que, sem dinheiro, não há lugar para a dignidade!
Ah, mas tinha emigrado. Não podia deixar que estes pensamentos me roubassem de mim. Também não houve tempo. Senti-me elevada, levitando por cima deste mar florido. Percebi que não se falava, murmurava-se. Os sons naturais compunham uma encantadora música como se estivera em concerto permanente. Como me alimentaria? Como me vestiria? Como comunicaria? Não, os questionamentos também precisam de férias.

Emigrara. Ponto final. Estava num mundo novo. E como era desafiante!

Odete Ferreira, 10 e 11-02-13 -  Foto - Autor desconhecido

(Nota: quem me lê, já sabe que não publico os escritos, por ordem cronológica; é um pouco ao acaso; no caso da prosa, por vezes o escrito fica no bloquinho a aguardar vez...)

13 comentários:

  1. Amei o final! O questionamento precisa de férias a dar o encanto das flores e sonhos românticos! abraços

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    1. Obg, Ives pela presença e comentário... Muitos dos meus textos são uma mescla de instantes do real com a fantasia...

      Bjinho :)

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  2. Desafiante... Pois não basta emigrar para que as nossas raízes se desvinculem da nossa pátria.
    Bom domingo!! Que a semana seja mais positiva e colorida!!
    Beijus,

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    1. Verdade, Luma. Querer é poder e o querer é um processo intrínsico em nós...

      (De certeza que vai ser, o sol já brilha por estas bandas :) )

      Bjuzz, de carinho :)

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  3. Por vezes, o melhor é mesmo emigrar.
    Já não há pachorra para ver e ouvir tanta mediocridade junta.
    Mas ainda bem que há oásis onde o ar que se respira é puro. O teu espaço, por exemplo.
    Como sempre, escreveste mais um excelente texto.
    Odete, minha querida amiga, tem um bom resto de domingo e uma boa semana. E continua a portar-te mal...
    Beijo.

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    1. Não ousaste repetir o meu erro ortográfico (Portate-mal). Foi o pontapé de saída para ser EU neste espaço :) - Expliquei aqaundo da abertura do blogue...
      Obg pelo elogio, amigo, e, de facto, é preciso ter uma mente resiliente.
      Salvam-nos os escritos, espero!
      Bjo, Nilson :)

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    2. Nilson, por mero acaso (é raro ir ao painel dos comentários) vi os teus comentários em postagens iniciais (EU/ Era uma vez/Sufoco) e respondi...

      Grata, uma vez mais :)

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  4. Ainda bem que seus escritos não seguem a ordem da escrita, pois assim posso imaginar que hoje o sol brilha por aí e as "férias" tenham sido reenergizantes!
    Beijuuss Odete

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    1. Querida Rê: as férias da fantasia são sempre reparadoras; contrariamente a pausa letiva da Páscoa foi doentia, pois, além de cerca de 3 semanas (cansaço, gripe, otite...), ainda esteve mau tempo...

      Agora, a primavera parece ter vindo para ficar!

      Bjuzz, amiga :)

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  5. Ena!
    Como é que conseguiste mandá-los de férias?
    E a inquietação também foi?
    Huum...esta faz parte de ti e torna-te misteriosa. Não a mandes embora!:)
    bjo, querida

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    1. Há sempre algo que "expurgo" quando escrevo, pelo menos por momentos :) :)

      Misteriosa...Hum, soube bem!

      Bjo, princesa :)

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  6. Querida Odete,
    Fizeste bem! Aproveitaste a deixa! :(
    Foi uma evasão que me agradou particularmente. Levavas na mala franjas de um país acabrunhado; era inevitável! Conseguiste largar os questionamentos?
    Um texto excelente - elevado!
    Bjuzz.

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    1. No texto, consegue-se tudo, amiga Teresa, como bem sabes...

      Os questionamentos são-me inerentes. Outros voltarão, de certeza, em lugares e momentos inusitados!

      Obg, querida :)

      Bjuzz

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