Emigrei.
Ponto final.
Hoje
não estou cá! Emigrei. Não saí do país. Apenas sei que é um lugar onde o pensar
e o sentir andam de mãos dadas. Hoje não podia estar cá. A tristeza da chuva,
os cinzas e os pretos das pessoas que vestem o luto do país, são-me insuportáveis.
Hoje é impossível sentir algo de colorido e o esforço de o pensar, uma violação
mental. Tão pouco me apetece enfeitar o meu estar com sonhos, metáforas ou
imagens, tão apetecíveis no ato de poetar.
Como
estou assim tão entediada e sem vontade de sentir olhares enviesados,
silenciosos mas recriminativos, emigrei! Aliás, segui um conselho sábio: já não
há lugar para o sonho, temos de deixar de ser tão românticos (ouvi dizer a
alguém numa rádio – até podia dizer o nome da pessoa e do meio de comunicação
que lhe deu voz, mas não merece esse instante de fama neste meu escrito!).
Emigrei,
ponto final. No tal lugar, os jardins simplesmente existiam, cuidando-se como
vizinhos em sociedades comunitárias; a singeleza das flores era de uma beleza
tal, que foi fácil esquecer o estímulo de prazer de ramos florais,
cuidadosamente elaborados pelas floristas. Tive dificuldade em descobrir a
presença de pessoas. De tão coloridas, perturbavam a minha perceção,
julgando-me num infinito de arco-íris, profusos, amplificando-se… Visão
surrealista, decerto. Não acredito em paraísos terrenos e desconfio mesmo da
semântica da palavra paraíso. O deslumbramento tornou-me demente, pensava. Mas
logo me sossegava com a certeza de ser impensável existir por ali algo
semelhante a hospícios. Talvez tivesse emigrado para o Woodstock, lugar de
culto do “peace and love”.
Uma
época. Um paradigma. O abalar do “status quo”. A revolução geracional que
vivia para o pensar e o sentir. Como me senti perturbada pensando nos jovens
dos trinta, penando por um trabalhito do qual precisam visceralmente para
sobreviver numa sociedade em que, sem dinheiro, não há lugar para a dignidade!
Ah,
mas tinha emigrado. Não podia deixar que estes pensamentos me roubassem de mim.
Também não houve tempo. Senti-me elevada, levitando por cima deste mar florido.
Percebi que não se falava, murmurava-se. Os sons naturais compunham uma
encantadora música como se estivera em concerto permanente. Como me
alimentaria? Como me vestiria? Como comunicaria? Não, os questionamentos também
precisam de férias.
Emigrara.
Ponto final. Estava num mundo novo. E como era desafiante!
Odete
Ferreira, 10 e 11-02-13 - Foto - Autor desconhecido
(Nota: quem me lê, já sabe que não publico os escritos, por ordem cronológica; é um pouco ao acaso; no caso da prosa, por vezes o escrito fica no bloquinho a aguardar vez...)
Amei o final! O questionamento precisa de férias a dar o encanto das flores e sonhos românticos! abraços
ResponderEliminarObg, Ives pela presença e comentário... Muitos dos meus textos são uma mescla de instantes do real com a fantasia...
EliminarBjinho :)
Desafiante... Pois não basta emigrar para que as nossas raízes se desvinculem da nossa pátria.
ResponderEliminarBom domingo!! Que a semana seja mais positiva e colorida!!
Beijus,
Verdade, Luma. Querer é poder e o querer é um processo intrínsico em nós...
Eliminar(De certeza que vai ser, o sol já brilha por estas bandas :) )
Bjuzz, de carinho :)
Por vezes, o melhor é mesmo emigrar.
ResponderEliminarJá não há pachorra para ver e ouvir tanta mediocridade junta.
Mas ainda bem que há oásis onde o ar que se respira é puro. O teu espaço, por exemplo.
Como sempre, escreveste mais um excelente texto.
Odete, minha querida amiga, tem um bom resto de domingo e uma boa semana. E continua a portar-te mal...
Beijo.
Não ousaste repetir o meu erro ortográfico (Portate-mal). Foi o pontapé de saída para ser EU neste espaço :) - Expliquei aqaundo da abertura do blogue...
EliminarObg pelo elogio, amigo, e, de facto, é preciso ter uma mente resiliente.
Salvam-nos os escritos, espero!
Bjo, Nilson :)
Nilson, por mero acaso (é raro ir ao painel dos comentários) vi os teus comentários em postagens iniciais (EU/ Era uma vez/Sufoco) e respondi...
EliminarGrata, uma vez mais :)
Ainda bem que seus escritos não seguem a ordem da escrita, pois assim posso imaginar que hoje o sol brilha por aí e as "férias" tenham sido reenergizantes!
ResponderEliminarBeijuuss Odete
Querida Rê: as férias da fantasia são sempre reparadoras; contrariamente a pausa letiva da Páscoa foi doentia, pois, além de cerca de 3 semanas (cansaço, gripe, otite...), ainda esteve mau tempo...
EliminarAgora, a primavera parece ter vindo para ficar!
Bjuzz, amiga :)
Ena!
ResponderEliminarComo é que conseguiste mandá-los de férias?
E a inquietação também foi?
Huum...esta faz parte de ti e torna-te misteriosa. Não a mandes embora!:)
bjo, querida
Há sempre algo que "expurgo" quando escrevo, pelo menos por momentos :) :)
EliminarMisteriosa...Hum, soube bem!
Bjo, princesa :)
Querida Odete,
ResponderEliminarFizeste bem! Aproveitaste a deixa! :(
Foi uma evasão que me agradou particularmente. Levavas na mala franjas de um país acabrunhado; era inevitável! Conseguiste largar os questionamentos?
Um texto excelente - elevado!
Bjuzz.
No texto, consegue-se tudo, amiga Teresa, como bem sabes...
EliminarOs questionamentos são-me inerentes. Outros voltarão, de certeza, em lugares e momentos inusitados!
Obg, querida :)
Bjuzz