domingo, 15 de junho de 2014

Futuro

Nunca, até há uns tempos recentes, o vocábulo futuro se me afigurou de uma significância tão dúbia, tão desprovida de uma assertiva definição, tão vaga e cada vez mais uma abstração. Pensar o futuro, tornou-se um daqueles exercícios matemáticos de difícil resolução, um desafio que, suponho, os amantes da área devem adorar!
Nã faltam por aí oráculos, disfarçados de malabaristas,  que vão acompanhando a crescente debilidade humana e a cuja consulta não faltam clientes. Parece ser dos poucos negócios rentáveis!
Terminou, em termos de aulas, um ano letivo. Este ano já não exerci (http://portate-mal.blogspot.pt/2013/10/um-novo-ciclo.html ), pois, entre as novas regras da aposentação e o tormento de saber que já não conseguiria ser mais a professora de alma leve, levou-me a optar pela aposentação antecipada, tendo para tal os requisitos necessários, embora logo penalizada em 25% do vencimento. Compensava, feita a simulação. Contudo, nunca auferi, nem de perto, o que seria suposto.
Logo aí, o sentido de futuro abriu uma fenda. E as fendas foram alastrando: o tempo que pensava iria ter para mim, o poder estar mais presente em eventos culturais, a preparação de um novo livro para edição (ressalvo a coautoria em Antologias de poesia e prosa), a escrita de um livro baseado em factos reais… O futuro já não era a rocha onde podia ir beber o ânimo. Antes uma duna de areia à mercê dos ventos. E os ventos de hoje destroem, camuflados de brisas. Das tormentas protegemo-nos. A este silêncio corrosivo, somos impotentes. E já não enfermo só de doenças da alma. O futuro resolveu tornar-se num presente doloroso. E manifesta-se também neste corpo debilitado…
Costumo participar em desafios poéticos temáticos. Este poema talvez complete o quadro da minha desesperança. Por outro, a esperança que gostaria de não perder…

Odete Ferreira, 14-06-14

Partida(o)

Entumescimento vírico.
Dores palpáveis.
Ansiedade perfurante.
Mente delirante.
Atividade febril.
Alma fotografada de perfil
na mala colada
Partida…

Ficaram os sonhos de estudante,
nas ruas os passos gastos,
as portas envergonhadas
das calças coçadas
no vazio dos dias.
Esgares disfarçados
nas faces coradas.
Maratonas perdíveis.
Partida!

A mochila amarrotada
reveste-se de pele dourada
e, à medida que cruza os céus,
pássaros de asas largas
debicam de cada lugar 
sementes germinadas.
Dentro floresce um paraíso…
…Chegada!

Mochila ao ombro,
leve, levezinha.
Concerto na praça.
Sinal de bom augúrio!
Sopra, num murmúrio
- outro mundo…

Abre a mochila.
Não vê mas crê.
Sorrindo estuga o passo.
Desce lenta a noitinha…

OF – 11-06-14
Obra de Francisco Eduardo

35 comentários:

  1. Oi menina, a vida as vezes nos prega mesmo algumas peças, mas o que jamais devemos perder é a esperança.Quando não há possibilidades... DEUS faz o milagre
    E sabes porque? Porque Ele te ama como ninguém jamais amou!...
    Espero que vc esteja bem amiga, li em seu comentário que vc ñ estava bem.
    E que o mimo que fiz pra ti teria vindo a calhar.
    Obrigada por cada visita em meu blog.
    Amanhã terá uma entrevista no blog agenda do blog, e gostaria que vc fosse lá me prestigiar. Posso contar com vc?

    Bjsss

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    1. Querida Célia, eu nunca baixo os braços. Este texto/reflexão é sobre mesmo a questão de "projetar o futuro". Impossível, A vida dá-nos a volta. Estou bem na minha nova condição, apesar de tantos contratempos. O que me aflige é o "futuro" dos jovens, no caso, o do meu filho. O poema reflete esse temor. Por outro lado, os sonhos que gostaria que ele não perdesse...
      (Agora já sei onde ir procurar a entrevista. Claro que irei...)
      BJO :)

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  2. Alguém disse que sempre que se fecha uma porta, se abrirá uma janela para deixar a luz entrar. Tu já tens a tua luz própria, esse brilho tão teu que contagia tudo e todos os que têm o privilégio de te conhecer. Terminaste uma etapa, ok, pega na mochila, enche-a com o teu conhecimento, rico e abundante e parte para um novo desafio. Quando o levares a bom porto, surpreender-te-ás com a facilidade com que o conseguiste e partir daí, parar não é opção.

    Beijos e bom Domingo. D

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    1. Ok, serei um pirilampo...Uma querida, esta menina D...
      Penso que, quando acabar a terrível fase das obras, ganharei outro ânimo...
      E que o meu filho não o perca nunca!

      BJOSS, D

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  3. Acredito que na passagem de uma etapa,projeto,ocorre uma pausa

    de adaptação,com novos passos e ritmos as vezes mais prazerosos.

    Um novo olhar para tudo que a rotina consumia com

    a gula do fazer (automatismo). Logo,com certeza o teu Ser de corpo e alma

    numa sintonia libertadora,vestida do teu talento poético,

    este futuro ficará nas tuas mãos com as tuas criações (artes)...

    Desejo uma chuva de energia positiva refletida neste teu sorriso luz,amiga!

    Beijinhos.

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    1. Querida Suzete: estou bem na minha nova condição, apesar de este ano ter tido tantos contratempos. Continuo a escrever mas menos pois o tempo tem sido par outras tarefas que não podia adiar... Grata pela tua confiança na minha "arte" :)
      BJOSS :)

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  4. De tudo por que já passei: uma certeza: tudo muda.

    O futuro é tão incerto, a todos os níveis.

    Há que concentrar-mo-nos no presente e aproveitar.

    Que a saúde seja constante e tudo o resto será vida.

    Beijinhos

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    1. Tens toda a razão, amiga Pérola...
      Já estou melhor, felizmente. Obg, querida.
      Bjo :)

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  5. O que importa sempre é o que temos à mão a cada instante, e cada fase da vida tem o seu brilho e a sua dor!

    Um beijinho amigo

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    1. É bem verdade, Daniel...
      Grata pela tua solidariedade.
      Bjo :)

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  6. O futuro da maior parte de nós está a ser pintado de negro por estas criaturas votadas - e outras nem isso!

    Mas não podemos dar-lhes o prazer de nos destruir , temos que ser resilientes e demonstra-lhes que , apesar das suas patifarias, nem nos calam nem nos vencem.

    Um abraço solidário , desejando que a tua saúde se recomponha rapidamente e em definitivo.

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    1. Como me percebes, amiga São. E tens razão, não podemos dar-lhes o prazer de nos destruírem a alma! Sobretudo aos jovens!
      Já estou melhor, felizmente!
      BJO :)

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  7. Creio que partidas e chegadas nos fazem crescer e querer sempre buscar novas partidas na possibilidades de novas chegadas. Assim vamos vivendo, partindo e chegando cada dia de um jeito diferente.
    E, se a essência de cada um for boa, que esta permaneça, no mais, que ela também se vá com as partidas para chegar renovada. Beijinhos, menina! seu espaço é uma delícia sempre!

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    1. Obg pelo elogio ao meu espaço, Malu.
      Sim, há sempre um crescimento perante as adversidades...
      Bjo, amiga. :)

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  8. Vim agradecer o teu comentário e inteirar-me das novidades blogueiras.

    Poesia bonita, sempre escolhas que de algum modo te revês, presumo eu.

    Beijinho e claro... já que aconselhas, irei (tentar) portar-me mal !

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    1. Porta-te mal, sim, no sentido louco de escrevermos o que nos apetece!
      Apesar de dorido, gostei de escrever este poema...
      Bjo, Jota :)

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  9. nada muito a ver com suas sensações (eu acho) mas lendo e vendo esta imagem, comecei um filme na cabeça sobre as dificuldades que várias bandas de música regional e principalmente nordestinas enfrentam para divulgar a arte nacional...
    mas como disse a pouco para outra blogueira, não sei se somos corajosos ou loucos de experimentar o mundo físico, quem não souber curtir os amores e dissabores tá ferrado...

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    1. Há que o experimentar, sempre, Ricardo!
      Sim, é sempre difícil prosseguir projetos, sobretudo os jovens. Suponho que por aí as coisas também não corram de boa feição. Por cá, cada vez há menos oportunidades.
      Bjo :)

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  10. A vida sempre segue adiante,
    é imperativo.
    Bom feriado
    e
    Bjins
    CatiahoAlc./ReflexodAlma

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    1. Obg pela tua presença, Reflexo d´Alma.
      Logo que puder, visitarei o teu espaço.
      Bjo :)

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  11. Odete , suas constatações quanto à aposentadoria nos faz a todos refletir . Você , uma artista nata , com sensibilidade à flor da pele , certamente , saberá cuidar das dores do corpo e da alma que todo recomeço traz . Saúde , sucesso , paz e muito brilho nas novas paisagens que se descortinam . Beijos

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    1. Grata pelos elogios, Marisa. Vou escrevendo umas coisas :)
      E, de facto, o mais importante é a saúde...
      Bjo, querida :)

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  12. Apesar da tormenta diz o povo que poderia ser sempre pior.

    Eu preferia mil vezes sofrer cortes no salário a estar desempregada...e a situação arrasta-se sem fim à vista.

    Por outro lado, desconfio que terei reforma tão miserável que nem quero pensar nisso.

    Há situações piores.


    A sabedoria está em agarrar o bem que tens. Na certa, algo será positivo.

    Vamos a ter calma e adaptar é verbo a conjugar.

    Beijinhos

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    1. Pérola: este texto/reflexão (sobretudo o poema), tem sobretudo a ver com a falta de futuro dos jovens. É o que mais me dói, a falta de oportunidades de trabalho. Trocava tudo para que o meu filho tivesse algumas encomendas de trabalho. Como está ligado ao audio-visual, atualmente ninguém compra conteúdos...Enfim! Desejo, sinceramente, que arranjes rapidamente algo!
      Bjo, querida! :)

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  13. De repente, Odete, nos deparamos com o Futuro ... Ele nos joga na cara que existe, e que já chegou rs...Mas, o certo é não perder a esperança.
    Belas considerações.
    Beijo!

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  14. Olá, Odete
    Tenho visto "por aí" comentários teus, que despertaram a minha curiosidade em conhecer o teu blog. Calhou hoje...
    O futuro nem sempre se nos afigura risonho; por vezes sentimo-lo pesado, vemo-lo cinzento... ou até preto.
    Os últimos dois anos foram, para mim, muito complicados. Mas aprendi - a duras penas, é certo - que tudo passa.
    Há dias em que o peito nos aperta, o coração fica pequenino... mas no dia seguinte o sol volta a brilhar. Engolem-se umas lágrimas, afivela-se um sorriso... e aí estamos prontas para a luta.
    A coisa agrava-se quando a saúde falta. Há que esperar por melhores dias.

    Gostei muito do poema. A partida... é quase sempre dolorosa; mas o poema é bonito.

    Vou me fazer tua seguidora. Gostaria de te mostrar a minha «CASA».
    Aparece. Serás recebida de braços abertos.

    Bom fim de semana.
    Beijinhos

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    1. Obg pela visita, Mariazita, logo que puder visitarei o teu espaço.
      Ah, os comentários :) Gosto de analisar e escrever algo com pés e cabeça, apenas isso!
      O futuro já não se pode pensar, pelo menos nos tempos que correm neste país...
      O poema é, essencialmente, sobre jovens a quem lhes falta futuro. Contudo, espero que não percam o sonho...
      Bjo :)

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  15. Boa noite, querida Odete
    emocionou-me ao ler sua escrita sobre aposentadoria.
    Sei o que sente, pois passei e continuo passando por esta fase, difícil sim, mas passa.
    Em relação a sua saúde, desejo que tudo se restabeleça dentro dos desejos de Deus! Odete, desejo a você um abençoado final de semana. Grande abraço!

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    1. Obg, Marli...Apesar de tudo, sinto-me bem na minha nova condição, apesar de me terem acontecido tantas coisas (pessoais) que eram de todo impensáveis...
      Estou melhor, felizmente, Marli.
      Bjo, querida :)

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  16. Esperança nunca pode ser perdida....
    Lindo, beijo Lisette.

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    1. E eu concordo, Lisette. E ralho comigo mesma por ter tantos momentos de falta dela...
      Obg. BJO :)

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  17. Um momento de vivência poética, os abanões das palavras e a sempre leal recetividade que a escrita nos concede.
    bj

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    1. Salvífica, a escrita, amigo Armando, depois da torrente de palavras,,,
      Obg, bjo Armando :)

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  18. Amiga Odete, ás vezes um abraço vale mais que mil palavras. Maravilhoso poema que adorei. Bom trabalho e beijos com carinho

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