quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Declinando aplausos

Obra de Vincente Romero

Tardava-se nos pormenores. Vinha-lhe sempre à ideia aquela frase “Sorria, está a ser filmado” e, de facto, nunca saberia em que filme se poderia encaixar. O papel podia ser um qualquer. Só precisava de empenho. Afinal quantas personagens assumiu na sua vida! Reais, imaginadas ou representadas frente ao espelho que estivesse mais à mão. Melodramática, diva da canção, dançarina sedutora, tendo apenas como coreografia o seu próprio nu… Ritual de confiança, incógnito. Fora deste espaço, seria apenas mais uma, no recato que lhe fora atribuído. Por outros. Entalada e enlatada, fazia parte da engrenagem societal. Mas, no invisível do seu ser, soltava demónios que ofuscavam ou talvez fosse culpa dos tais pormenores.
Segura, decidida, tomava decisões num ápice. Fazia acontecer, numa simultaneidade de tempos e espaços, ações que lograram o respeito pela instituição que dirigia. Adrenalina, no seu estado mais puro. Perfecionista, para uns, prepotente, para outros… ora, a verdade é que havia um clima organizacional pautando as suas atitudes pelo respeito que cada um merece.
(…)
Contudo, a distância temporal desobriga-nos. Olha-se de novo para o espelho de outros ângulos, onde a luz assume a sua força na fragilidade de um corpo que vai acusando marcas.
Continua segura, decidida. Tem consciência dos seus momentos. E daqueles em que marca encontros a sós, sentindo todo um palco  dentro de si. E dispensa aplausos…

Odete Ferreira, 18-05-2014 

19 comentários:

  1. É isso aí Odete! Abandonamos as personas e somos simplesmente nós.
    Beijuuss amaaada

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  2. A ubiquidade das idiossincrasias femininas no tempo e no espaço.
    Gostei muito.
    Beijinho

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  3. Ao longo da vida temos de encaixar-nos em vários papéis, alguns que escolhemos e nos dão prazer, outros desenhados pelas vicissitudes da vida, por roteiros inesperados que nos cairam em cima. Nem fomos escolhidas, mas o papel aconteceu-nos. Temos de interpretar qualquer papel com profissionalismo, e convém até em muitas situações, mostrar um sorriso para a câmara mesmo quando o fardo é enorme.
    Depois, a sós em frente ao espelho, pensas-se no dia que passou, observa-se o cansaço acumulado, e preparamo-nos para o dia seguinte. Sem aplausos.
    Grandioso texto! Com o meu aplauso, neste caso!...:-)
    xx

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  4. Há papéis que escolhemos, algumas vezes por necessidade, e outros que a vida nos impõe e nada nos resta senão interpretá-los com distinção. Não deixamos de ser o que somos e até personalizamos essas interpretações. Os encontros conosco mesmos são valiosos e não pedem qualquer vestimenta. A verdade se apresenta, naturalmente, mostrando o vivido e suas marcas. Mas estamos inteiras. Meus aplausos pela escrita. Bjs.

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  5. Minha querida amiga pocha estou com saudades
    seu carinho e muito importante para mim sempre.
    Conhecer você para mim foi uma alegria
    por causa de uma poesia Deus me abençoou com uma amiga.
    Um feliz final de semana beijos.
    Evanir

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  6. Entre quatro paredes, diante do espelho, não há como fingir...
    Odete, amei o seu conto, leve e contundente.
    Beijos!!!

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  7. Sabes que passo sempre no "portate-te ma!" e hoje gostei da forma como te portaste. Interessante retrospetiva em autoanálise (este acordo!!!). A imagem de quem fez frente e levou o trabalho a sério sobressai.
    È tão interessante este tema, minha amiga! Deixas-nos mesmo entre quatro paredes, em frente ao espelho! Linda!
    Bjuzz.

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  8. OI ODETE!!
    LINDÍSSIMO E PROFUNDO TEU TEXTO.
    SÃO NESTES MOMENTOS, DE INTROSPECÇÃO E SOLIDÃO, QUE PODEMOS NOS VER E NOS MOSTRAR COMO REALMENTE SOMOS, NOS DEMAIS, SOMOS, MUITAS VEZES FORÇADOS, POR CIRCUNSTÂNCIAS MIL, A REPRESENTARMOS COMO SE FÔSSEMOS REFÉNS, DE NÓS MESMOS.
    ADOREI AMIGA, O ESPELHO, COMPANHEIRO E VEÍCULO DE MUITA INSPIRAÇÃO, COMO A TUA AO TECER ESTAS BELAS LINHAS.
    ABRÇS

    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  9. Oi, Odete!
    O desafio maior do autor é separar os lados do espelho, o que pode ser controverso, pois quando nos escondemos atrás do espelho para travestir sentimentos aos personagens, acabamos por também desnudar a nossa alma, visto que não é uma psicografia. Mesmo assim, muitos afirmam que não sabem de onde vem a inspiração e tentam sempre respirar o mesmo ar que os levou até ela. De certa forma é um alívio poder olhar-se diante do espelho, encarar o que vê e não se misturar aos escritos.
    :)
    Beijus,

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  10. Quem diz que os aplausos são de dispensar?...
    A nossa representação (acto) na Vida é sempre olhada por um de dois (vários) lados.
    Quem nos vê e olha, dá, da sua avaliação, a nota que entende.
    Mas, Amiga, será que quem nos vê tem a percepção da vera realidade?
    Duvido! Cada "individuo" é um Ser único.
    Bom texto.


    Beijos


    SOL

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  11. Abre o pano

    cai o pano

    o tempo passa

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  12. Amiga retornando para agradecer seu carinho
    é bom ser acariciada quando mais precisamos.
    Te desejo uma abençoada semana beijos,Evanir

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  13. Que lindo texto! Fiquei feliz por visitá-la e por encontrar uma mensagem tão profunda... Que possamos também, nos momentos adversos, nos sentirmos assim: "Continua segura, decidida. Tem consciência dos seus momentos. E daqueles em que marca encontros a sós, sentindo todo um palco dentro de si. E dispensa aplausos…" Beijo.

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    1. Obg pela visita e comentário; logo que possa passarei pelo teu espaço.
      Bjo sub helena (interessante este "nome") :)

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  14. A realidade e a ilusão...
    Beijo Lisette.

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  15. Um texto lindo, rico do olhar feminino aos espelhos refletidos pelos
    papéis no palco-vida...
    Os olhares dos outros à as imagens refletidas que sempre estão
    comprometidas pela projeção. O contato do espelho (da alma) onde
    somos, uma singularidade que merece um olhar único (nosso)
    reverenciando o todo-Ser...

    Querida amiga,adoro os teus escritos!!!
    Beijinhos.

    Ps: Obrigada pelo teu olhar especial refletido nos teus comentários
    magistrais (no meu espaço). O teu poema "As casas com que
    me visto" foi o primeiro poema teu que eu comentei (na waf) e
    fiquei fã e seguidora da tua arte literária...

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    1. Já nem me lembrava, querida Suzete! Tenho saudade desses tempos. Ainda lá publico de vez em quando. A nossa "aura" cruzou-se logo e nunca mais nos largou! Tão bom. Quando comento com mais "ligeireza" é mesmo falta de tempo. Mesmo que tarde, faço questão de te deixar o meu apreço. BJO

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  16. Muito grata, amig@s, pela vossa presença e pelas excelentes visões que me deixaram como comentário. Só enriqueceram este escrito!
    Meu beijo de carinho :)

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  17. Odete , realmente assumimos vários papéis no palco da vida e seu texto , como sempre , impecável , deixa isto bem claro . Obrigada por partilhar . Beijos

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