segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

No destempero, desespero*

 Obra de Edvard Munch

Passeio as horas vagas
no vazamento da foz.
Lá onde se levanta a voz
e se ouvem as misérias
na torrente levadas.

Choraram olhos,
branquearam o negro da indigência,
purificaram dores
para não (te) verem o coração em falência.

Ah, este tempo!
Este tempo de destempero!
Este céu que se esvai em lágrimas!
O mar maneja ondas de revolta
que morrem na praia deserta.
Envergonhadas as dunas hibernam
mas não calam o desespero.

E eu, que faço às horas vagas?
Deixo-as livres, embarcadas nas vagas.
Manifesto-me como Dantas,
verborreia inocente, passiva.

Quem me ouve?
Cresce a surdez como erva daninha
ceifando as raras papoilas dos campos rebeldes.
Algumas fizeram-se moitas
camufladas no verde esperança.
Atenta, ouço-as à noitinha…

OF- 21-11-14

* desespero - vocábulo usado como nome e não como verbo

26 comentários:

  1. Excelência no teu Poema aos "tempos mortos" em plena vida de reflexão e magia.
    Enquanto a maré vaza, os pensamentos se vão e a poesia se mostra em crescendo.
    Amei.


    Beijos



    SOL

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  2. Ah, cara amiga Odete,
    que ao ler este seu poema, de repente dei de ver um povo inteiro a "cantá-lo" em alta voz pelas avenidas deste país destemperado e em desespero confessado em surdina entre quatro paredes, e por alguns, mais aquecidos de nervos, na mesa dos cafés da esquina. E tu, cara Odete, queixas-te que a "surdez cresce como erva daninha", não reparaste ainda que os ventos que nos chegam do grande monte onde se refugiam os moucos deuses bem falantes que nos oferecem o desespero, só nos trazem para além das sementes de ervas, enxames de gafanhotos que nos devoram tudo o que havíamos nós de colher?

    bj amg

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  3. Não há horas mortas, só para os distraídos...e mesmo assim...não sei.

    Um destempero que me temperou esta noite fria no morno das tuas palavras.

    Beijinhos

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  4. «Desde há uns bons tempos que andamos esquecidos em relação àquilo que os grandes mestres da humanidade descobriram e ensinaram. Desde há milénios todos ensinam o mesmo e qualquer teólogo, ou até mesmo qualquer indivíduo culto de formação humanista, no-lo poderia dizer com toda a clareza, independentemente de tender mais para Sócrates ou para Lao Tsé, ou de estar mais afeiçoado ao indiferente e sorridente Buda ou ao salvador da coroa de espinhos. Todos eles e, em geral, qualquer iniciado, qualquer indivíduo desperto e iluminado, qualquer verdadeiro conhecedor e mestre da humanidade sempre ensinaram o mesmo, nomeadamente que o ser humano não deve desejar para si nem grandezas nem venturas, nem heroísmo nem a doce paz, que não deve enfim desejar nada, a não ser um espírito puro e alerta, um coração valente e a lealdade e a esperteza da paciência, para assim poder suportar tanto a felicidade como o sofrimento, tanto o tumulto como a quietude». *

    Bom dia Odete,
    deixo-lhe um pedacinho de Hermann Hesse, como era seu desejo.
    Vou checar em meus guardados e lhe passarei a dica para bloquear a tecla direita do rato, o que impede as cópias. Embora, só aqui entre nós, dificulta, mas não impede uso indevido de nossos textos.
    Passarei mais tarde.

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  5. Regressei, como o prometido, trazendo o link onde poderá encontrar muito bem explicado, o modo como bloquear o blog. Esse é um site de referência, sendo uma grande ajuda para quem mantém um blog. Eu uso apenas o bloqueio do botão direito e de seleção de texto, como a própria Elaine sugere. Penso que não terá dificuldade, mas se tiver, diga.

    http://www.elainegaspareto.com/2013/05/aprenda-bloquear-o-blog-contra-copias.html

    bj amg

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  6. As horas vagas permitem-nos percepções que, no corre-corre da vida actual, muitas vezes nos passam desapercebidas.
    E, no “tempo de destempero” que estamos vivendo, não temos tempo para observar as lágrimas, nem as ondas revoltas, tão pouco as rubras papoilas que teimam em crescer entre ervas daninhas.
    Adorei o teu poema.
    Vou passar a aproveitar melhor as minhas horas vagas…
    Um grande beijinho, querida amiga.
    Mariazita

    PS - Tenho estado bastante doente, e por esse motivo não tenho visitado os blogs.
    Já me sinto um pouco melhor, e, embora ainda fortemente medicada, vou começando a retribuir e agradecer as visitas recebidas.
    A minha suspensão nas postagens destina-se a eu poder dedicar-me por inteiro (ou quase...) à escrita do meu livro, que está "nos finalmentes" mas ainda não consegui pôr-lhe termo. E já é mais que tempo! :)

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  7. Tanto destempero gera desespero. Bom seria se todo o desespero que por vezes sentimos à nossa volta, pudesse ser aliviado no vazamento de uma qualquer foz...Mas o som das vagas, parece, em certos dias, trazer tudo de volta, na indiferença da surdez que alastra.
    As horas vagas nunca serão verdadeiramente vazias se nelas nos apercebemos do vazio que grassa, e resta-nos como consolo, essas papoilas camufladas à noitinha.
    Belíssimo poema, como sempre, Odete!
    xx

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  8. Odete , sua escrita além de bela sempre nos faz refletir . Agradeço sua partilha .
    Beijos

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  9. Odete querida,
    Quanta doçura e delicadeza em seus tristes versos...
    Quem dera pudêssemos dar vazão ao nosso desespero e deixa-lo a merce de uma foz qualquer, para que o alivio nos chegue e possamos ver as flores ( não camufladas a noitinha)...Reflexão e emoção encontrei em teus versos.
    Deixo beijos com carinho
    Marilene

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  10. Não sendo uma prosa alegre ou festiva, é algo de belíssimo, a roçar a nostalgia e uma imensidão interior que muito me aprouve ler... Lindissimo...

    Um bom dia de reis, e claro, um belíssimo 2015 :)

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  11. Tempos mortos

    nem na praia-mar

    Bj

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  12. O poema é muito bonito, mas tem algo de amargo...o que não supreende face ao estado em que todo o mundo se encontra !

    Abraço grande e bom Dia de REis :)

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  13. Olá, quanta emoção escrita, dita em seus versos.
    Sempre achamos aromas camuflados em nossos caminhos, mesmo tristes encontramos respostas para viver melhor. Belíssimo poema. Grande beijo!

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  14. Oi Querida Amiga!

    Belíssimo! Sempre assim, a beleza presente na tua poesia...
    Mesmo desfolhando as dores que ecoam vagando,
    as cores das raras papoilas revestidas de sol apontam o
    verde esperança e a poetisa escuta e decodifica
    a melodia-vida...

    Estava com saudade de ler-te, mergulhar neste teu sentir poético,
    o qual me proporciona uma sensação de irmandade contigo.

    Um 2015 luminoso,libertador e poético sempre!
    Beijinhos e abraço saudoso,amiga.

    Ps: Adorei o teu comentário, como sempre captaste o poema
    essencialmente e magistralmente,muito grata...

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  15. Se pensarmos que não nos ouvem, é natural que o desespero surja...
    Mas não é o teu caso. Eu, pelo menos, não sou surdo às tuas palavras. Que gosto sempre, aliás. E este poema é brilhante, coisa que é habitual no que vais publicando.
    Bom Ano, querida amiga Odete.
    Beijo.

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  16. Ao completar 10 anos de blog
    não poderia deixar de agradecer pelo seu carinho amizade,
    e companheirismo.
    Uma década se passou quantas coisas aconteceram,
    quantos momentos vividos de pura emoção.
    O meu muito obrigada por fazer
    parte dessa decada vivida...
    Seu carinho é muito importante
    que eu possa dar continuidade
    para seguir sempre em frente...
    um feliz e abençoado final de semana.

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  17. Já me perguntei, já pensei, já refleti se destempero, mas hesito em conhecer o desespero , pois chegará o tempo em que as horas mortas o trarão por arrasto, e o meu ser tem que querer continuar a ser.
    Beijinho

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  18. "Ah, este tempo!
    Este tempo de destempero!"
    Este é um poema que nos leva a reflectir...
    Um beijo.

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  19. Oi, Odete!
    Um tempo estranho que ata as mãos mas não as angústias sem que isso gere qualquer sentimento de benevolência... Estão todos no mesmo barco, mas ao mesmo tempo, cada um por si!
    :)
    Beijus,

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  20. Deliciosamente insinuante e silencioso.
    Cadinho RoCo

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  21. Bom dia, o tempo de destempero não sei como o classificar, nunca conheci o desespero, calculo que este seja terrível pelos transtornos terríveis que pode causar, o poema é perfeito para refletir.
    AG

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  22. Odete,
    Na mudança há sempre destemperos, desesperos, terra queimada. Depois, há os recomeços. E esses existirão sempre.

    Um beijo :)

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  23. Se pudéssemos vazar todos este destempero! Na verdade a voz do desespero grita na seara e parece ser o tempo de mondar ervas daninhas. Gostei de perceber as papoilas infiltradas no poema.
    Parabéns, minha querida amiga. Gosto.
    Beijinho.

    Beijinhos.

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  24. Um bjo, amig@s, sem desespero...
    Sempre grata pela vossa presença!
    :) :)

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  25. Soneto-acróstico
    Ao talento

    Outra coisa não é que vasto talento
    Seu desespero que se destempera
    Eu de sua criatividade me alimento
    Uma vez que aqui poesia se espera.

    De onde se levanta aquela sua voz
    Escuto admirado, então fico quedo
    Sabendo que na palavra tu das nós
    Torço para compreender o enredo.

    E continuas nessa firme proposição
    Mexendo com termos e sentimento
    Pões nos textos verdade e coração.

    E contudo nos brinda no momento
    Riscando os verbos em conjugação
    Ousando além do tempo e o vento.

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