Obra de Brad Kunkle
-
Sinto-me tolamente apaixonada!
Devolveu-me
um olhar indiferente. Soou-me a trocista.
-
Não dizes nada?
-
Isso é um banal pleonasmo. Estou
habituada a tiradas tuas mais originais. Estares ou sentires-te apaixonada é, de per si, um estado atoleimado. Sabes,
aquele olhar de nuvem azul, aquela atitude do peace and love, aquela levitação
transcendente própria de um retiro meditativo…
- Sentir
apenas, ignorar egoisticamente, todo e qualquer incómodo social… -
interrompeu-se antes que alguma coisa lhe retirasse um estado que queria
prolongar. Tinha direito. Como quando se concedia ao luxo de uma massagem.
Descomprimia e tentava convencer-se que a doutrina era essa mesma. Um mundo
cada vez mais desigual, mais injusto, mais cruel.
Raios!
Abraçar a humanidade era seguramente o estado mais puro da paixão! Autorizar-se
uns dias de férias. Parecia-lhe a solução. Espetou o olhar na sua amiga,
surpreendida pela ausência de uma simples interjeição.
-
Genial esta solução, não te parece?
-
Qual? Esqueces que és compulsivamente preocupada com o outro?
-
Ah! Não és adivinha, claro! Pensei que tinha pensado alto…
Não…
Conceder-me umas férias, desligar do lixo tóxico e das lixeiras a céu aberto
onde os mais vulneráveis forçosamente focinham. Não é raro pensar nas mães que
deram à luz seres amados e assistir à execrabilidade dos esquemas que
engendram…
-
Olá mãe, sim, já sabia, mais uma. Estes
filhos da mãe parecem uma nascente que não seca, nem no verão!
Terminados
os mimos entre mãe e filha, lá lhe respondeu:
- De
facto, é uma boa ideia! Autorizo-te a estares tolamente apaixonada e eu vou
empanturrar-me com o sabor daquele gajo que vi passar… Por favor, traga-me um
igual, pediu, sorridente, à menina que servia a esplanada.
E
desatamos numa gargalhada única, doseada com alguns termos do nosso vernáculo
português.
Deixei-a
lambuzar-se com o tal gajo. Eu preferia saborear o meu estado de graça e
preservar a minha cinturinha de vespa…
Odete Ferreira – 26-07-2014
Ah, Odete, que bonito, e surpreendente.
ResponderEliminarUm texto que tem de ser lido nas entrelinhas; ao mesmo tempo sério e com sentido de humor. E é o humor que tantas vezes nos salva da dor, para que nos desliguemos "das lixeiras a céu aberto" e nos "lambuzemos" com um qualquer gajo que passe, para que evitemos pensar no horror que certas mães estão a sentir. Nenhuma mãe traz um filho ao mundo para vê-lo ser apologista da morte; a dele e a dos outros.
O Humor é uma arma suave e inteligente, feita de criatividade, e que tantos querem assassinar.
Um texto muito inteligente. Gostei muito.
xx
Querida Laura. Dato sempre o que escrevo - assim como o local e a hora; gosto de associar o escrito ao momento, dando-me a impressão de estar a escrever a minha história "literária" :)
EliminarEste foi escrito em 27-07; mas podia ter sido há apenas uns dias... Sempre grata pelos teus comentários inteligentes... Bjinho :)
Ah que parva que sou, é que eu nem reparei na data!...:-)) Talvez influenciada pelos últimos acontecimentos, decidi lá ver isso, e na verdade, consigo lá ver os últimos acontecimentos....O leitor tem sempre razão. ;-)
EliminarObrigada pela resposta, Odete.
xx
cada momento de nossas vidas merecia um escrito. Olá minha querida querida Odete passando para te abraçar e te convidar para o começo das festividades pelos 5 anos de Renascimento da Ilha e já antecipo que vamos novamente ter a brincadeira do Top Blogueiro e outra surpresinha :-) topas brincar? Um enorme beijo no coração e não vamos deixar a blogosfera fenecer.
ResponderEliminarHumor é sinónimo de inteligência: o teu texto tem as duas coisas e agradou-me muito.
ResponderEliminarBeijinhos, linda
Respingos quotidianos luminosos, repletos de humor, rico
ResponderEliminardo olhar feminino que divaga nas ondas do pensamento.
Nos proporciona uma narrativa convidativa para transcender
a realidade tão impositora a migalhar a espontaneidade e
a alegria dos gestos sublimes do Ser-viver em plenitude...
Adoro ler-te,amiga!!
A imagem é lindíssima...
Bjos e vou com aquele sorriso depois desta leitura...
Diálogo saboroso, repleto de insinuações humorísticas e de boa disposição.
ResponderEliminarBeijos
SOL
Um texto delicioso e bem humorado, desde o "Sinto-me totalmente apaixonada" à "cinturinha de vespa".
ResponderEliminarBrilhante, como sempre.
Bom resto de semana, querida amiga Odete.
Beijo.
Olá Odete,
ResponderEliminarVamos lá manter a cinturinha...
bj amg
Great blog ! Do you want to follow each other ?
ResponderEliminarhttp://kasjaa.blogspot.com/
A tua escrita são palavras que não secam. Fazes-me recordar aquela garota que vi na estação a fazer-me adeus enquanto o meu comboio partia. Não esqueci nunca aquele gesto.
ResponderEliminarBj
Perfeito, cada palavra a seguir à outra mais cativa, texto é maravilho como a "cinturinha de vespa."
ResponderEliminarAG
Olá Odete, cinturinha de vespa!
ResponderEliminarMuito boa essa combinação de olhar de nuvem azul com atitude de paz e amor. Não precisas de permissão para se apaixonar!
Quem está apaixonado pelos seus devaneios, é esse gajo aqui, ora pois...pois!
Beijos!
VitorNani/Hang Gliding Paradise
Odete , gosto muito da sua escrita e já lhe disse algumas vezes . Este texto me fez lembrar conversas com minha filha . Leveza e humor nas entrelinhas . Obrigada pela partilha . Beijos
ResponderEliminarGostei do respingar do teu post :)
ResponderEliminarBeijos !
Um diálogo cheio de humor. Um texto que se lê e relê nas entrelinhas...
ResponderEliminarGostei imenso.
Um beijo.
Odete,
ResponderEliminarA cumplicidade é coisa preciosa.
Excelente texto!
Um beijo :)
Boa semana com saúde e cintura de vespa.
ResponderEliminarBj
Puck... nem sei porque me lembrei de Puck , aquele travesso atazanador de consciências em debate, Adorei. Beijinho
ResponderEliminar.
ResponderEliminarVoltei para deixar um abraço
e levar outro comigo.
Beijos,
.
Um texto delicioso, Odete! Lambuzei o olhar palavra a palavra, momento a momento. Um encontro de verdadeiras amigas. Um encontro que, às vezes, é preciso.
EliminarBeijinho, querida amiga.
Uma nota: apesar do texto ter sido escrito em 26-07-14, foi intencional a sua divulgação no blogue por esta altura. Muitas coisas não são, de facto, por acaso.
ResponderEliminarJá se dizia de Gil Vicente "Ridendo castigat mores"; assim, numa conversa para o banal, despreocupada, há consciências que de banal não têm nada; até no humor...
Ah, a cinturinha de vespa, parece que está bem e recomenda-se!
Grata a tod@s @s que por aqui deixaram a sua marca.
Meu bjo :)