Obra de Christian Schloe
Equaciono, frequentemente, a capacidade de transmitir sentimentos
pelo signo linguístico. E discorro. O verbo sentir exige, pela sua natureza, algo
que o complemente visando que o outro apreenda a mensagem. Portanto, ainda que
se entenda a definição aposta no dicionário, os sentimentos são pertença da alma
poética. Logo, com toda a propriedade, pode afirmar-se: há sempre um poeta em cada um de nós. E quem duvidar é porque a
esse ser humano lhe falta agudeza de espírito.
Quando, em qualquer circunstância da minha vida, sobretudo na
condição de professora, tentava que os meus aprendentes percebessem o alcance
da afirmação, notava-lhes uma surpresa que os emudecia. Ficavam a matutar, a
medir o pulso do seu próprio entendimento. Sem dar muita margem à reação,
prosseguia nas minhas elucubrações. Escrever vem depois e a idade com que se
começa a exteriorizar, usando o signo linguístico, não é relevante. Importante
é viver em poesia. E todos podemos ser mágicos. E todos podemos viver a magia
dos contos de fada…
Tanto arrazoado quando, afinal, talvez queira apenas convencer-me
que, é possível definir sentimentos. Para nós, para o nosso dicionário
interior, onde o sentir é um todo indivisível, apenas fatiado para matar a fome
dos afetos…
É nesta linha que situo a paz que me atravessa por inteiro. E, só
assim, tem sentido
que desejemos ao outro, antes de tudo o mais, PAZ…
Odete Ferreira – 08-05-16
Pequenez da Palavra II
E esta paz pode exponenciar-se. Até que os sentimentos se fundam
sem causa nem efeito. Em pó de arroz para salientar as maçãs do rosto. Em água
de cheiro para aspergir o colo cansado. Em sorrisos de alma apenas visíveis no
brilho do olhar. No riso cristalino do filho a situá-lo menino. Nas sementes que
hão de germinar e rejuvenescer o tempo, saudando-o a cada solstício com rituais
de batismo…
Por isso:
Há um sentir maior que o verso,
maior que as horas do tempo,
maior que as turbulências do momento,
um tempo vivente no vento que me chega disperso.
Iço as velas; não importa o rumo, apenas navegar à vista…
Odete Ferreira, 31-07-16
Olá, minha querida Odete.
ResponderEliminarAdoro estas tuas análises, tão tuas, onde se conjugam a sensibilidade extrema e a técnica adquirida pela professora, que, a esta altura da vida, pela experiência alargada no tempo, já está enraizada na tua pessoa, fazendo parte da essência, como se tivesse nascido contigo: impossível dissociar.
"...matar a fome dos afetos..." - é-me impossível passar adiante sem falar no quanto que me inquieta saber de algo inteiramente acessível a qualquer criatura, sem necessidade de pagamento de dízimos a quem quer que seja... tornar-se matéria tão cara e escassa. Tantos a morrer à fome de afectos...
Mas, apesar de tudo e, como tão bem dizes, "há sempre um poeta em cada um de nós" - mesmo que haja os que não acreditam e que ainda não encontraram o seu ;)
E, talvez seja essa capacidade de ser poeta, ainda que sem pena, que permite a sobrevivência quando a vida é caos. É no olhar de poeta, que descobre as asas da borboleta a nascerem dos escombros, ou o azul a surgir por detrás da nuvem cinzenta... que reside a força que o agarra à vida e o faz acreditar que a paz é possível, mesmo em tempo de guerra - porque "há um sentir... maior que as turbulências do momento" - lindo, Odete. Lindo.
Um beijo amigo
*Esqueci de lhe dizer que gosto do novo rosto do blogue =)
ResponderEliminarDe vez em quando, faz bem mudar o "look".
bjn
excelente texto. que para além do "lastro" intelectual da autora, revela também grande sabedoria (sagesse)
ResponderEliminarTem razão ao considerar que a realização da pulsão emocional ("alma poética" no dizer expressivo da autora e eu diria "pulsão erótica" não fosse o erotismo andar pelas ruas da amargura) é fundamento de apaziguamento da alma. permito-me porém referir que as emoções são muito vulneráveis e frágeis (ainda que podendo ser fortes) e que para serem (as emoções) plenamente gratificantes terão que ser "fecundadas" pelo exercício da inteligência, sem o que serão "fogo de palha" ou, mais grave, a "alma poética" poderá ser capturada e sujeita a desígnios "exteriores" ao seu natural pulsar. por exemplo, qualquer crítica mal intencionado, pode destruir uma alma poética talentosa, porém "ingénua".
peço desculpa por ter-me alongado, mas o tema merece.
grato.
beijo
("fecundadas"... Hummm... Cimbalos a reluzir...)
EliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarMuito apreciei a tua dissertação sobre significado, significante e significação
ResponderEliminardos signos linguísticos referentes aos sentimentos, nos sentidos denotativo e conotativo.
Este sentido, a conotação dos signos linguísticos é absolutamente indispensável
à linguagem poética.
Estas meditações são fundamentais aos escritores, mas principalmente aos poetas
que devem pretender que as suas criações sejam entendidas pelos seus leitores.
É importante saber passar o 'sentir maior do que o verso', ainda que seja, nas entrelinhas...
Desejo-te uma paz profunda nesse abandono de homenagear e louvar a vida.
Dias perfeitos e harmoniosos.
~~~ Beijinhos, Odete ~~~
Uma reflexão muito interessante sobre o acto de escrever. No geral estou de acordo. Sei que talvez os poetas sintam o chamamento das palavras. E por isso sabem que "Há um sentir maior que o verso"...
ResponderEliminarUm beijo, amiga.
Excelente texto
ResponderEliminarPoetas somos todos
alguns ousam escrever
Bjs
Gostei do teu dizer e fazer despertar.
ResponderEliminarPoetas, somos a gente
Que escreve o que bem quer.
Mas, vero, só o que sente
Sensibilizadamente,
O que um Poema requer.
Beijo
SOL
Querida Odete,
ResponderEliminarFiquei encantada com estes teus textos e aguardo continuidade,
textos excelentes e tão humanos registros e acompanham uma
imagem belíssima e apropriada.
No primeiro texto, acrescento que eu conheço pessoas
mais poetas na maneira de sentir e viver do que muitos
poetas que escrevem.
Imagino tu na atuação como professora, o quanto
contribuísse para seres humanos melhores.
No segundo texto, a evidência aprofundada do relato
do primeiro texto, sobre navegar a vida, sem a pretensão
de ser dona de nada, tudo é para sentir, viver e
guardar na memória afetiva...
Quero expressar a importância da tua presença amiga
(muitos anos e ainda bem..rss) no meu espaço e o
valor de nossas partilhas na viagem das palavras
repletas de sensibilidade, arte e humanidade.
Tenho uma crônica minha que ainda não publiquei no
meu blog sobre uma batalha com um professor (Doutor e
excesso de importância...rss) no meu curso de Psicologia
e quero quando publicar, a tua leitura e apreciação amiga.
Bjos, Odete.
Gostei desta tua reflexão sobre a escrita.
ResponderEliminarComo sempre, revelas profundidade .
Abraço grande
Há muito que não leio nada seu, apercebi-me hoje e por acaso graças ao"desafio aceite", e fui ler o que encontrei e como sempre gostei... Acho que como diz uma amiga sua estou com necessidade de"matar a fome de afectos", e uma boa poesia ou um bom texto, ajudam sempre. Um beijinho e bom fim de semana
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