Porto. Tarde ainda bastante quente, soprando uma leve brisa que faz ondular os cabelos encaracolados, emoldurados no meu chapéu branco…
Não me dizia nada esta cidade nos tempos de estudante. Fria, talvez por estar habituada a jovens de mente aberta, acolhedores, com quem privava na Faculdade de Letras de Lisboa, vulgo cidade universitária.
Assim foi durante muitos anos, longos anos mesmo.

Foi o tempo de espera em horas introspectivas que criou esta vivência (outra evocação do episódio da raposa e do principezinho…).
Um Porto com mais “movida”, mais cultural, bares e esplanadas charmosos, alguns com música de fundo de bom gosto, apurando a minha sensibilidade musical.
E o afecto fez-se presente. Devagarinho, apesar do constante (e apressado) movimento de carros e autocarros. Gente que se passeia, sem pressas, talvez porque hoje seja sábado, permitindo que ouça pedaços de conversa a partir das quais poderia construir histórias de vida…
Turistas que se quedam, embevecidos, fixando momentos em fotos que tiram, estrategicamente. Há pouco, um senhor procurava um vão de uma porta para apanhar um ângulo que o prendera. Intrigada, olhei em redor para perceber o que quereria captar dali. Quase diria que seria a cúpula de um monumento. Dali conseguiria retirar as árvores frondosas e alcantilados ao seu céu, assim como os anúncios, poluentes visuais, para captar a beleza esbranquiçada que se oferecia a um sol dourado. Apesar da luminosidade quase única de Lisboa, em dias como este, imagino a avidez por este sol dos turistas nórdicos. Sei-o, já recebi dinamarqueses na minha casa, no âmbito do projecto Comenius.
O Porto. Cidade velhíssima que (re)visito agora com prazer. E sorrio, lembrando-me da eterna rivalidade Norte/Sul, embora nada a compara a outra realidade histórica: a guerra civil americana, por motivos nobres.

Ainda tenho tempo suficiente para apanhar o autocarro de regresso. Abro o portátil e passo este texto do bloco que me acompanha sempre. O meu “Portate-mal” vai ficar mais cosmopolita. Ah! E musical. Continua a chegar-me a música da esplanada ao lado…
Adenda
Já na Central de Camionagem, um homem aparentando estar na casa dos quarenta, aborda-me…Olho-o fixamente, enquanto me conta a sua história; tem fome, mostra os braços nus para que a sua narrativa soe a real: “Veja, não consumo drogas, não me injecto…”, pormenor que em nada afecta o meu sentir. Comprara dois queques, tiro um e dou-lho; dinheiro, há muito que consegui deixar de dar. Tocou-me? Sempre lidei mal com este lado das grandes urbes, que já não detêm a exclusividade. Aliás, a mendicidade, os casos sociais, abalam-me sempre. Regressei escura, mas as lágrimas já são controláveis…
Ocupei a mente a limpar o meu 91 de sms (mais de 500, cheguei a ter mais de mil) que marcaram um período (2009/10) de intenso e marcante trabalho de acompanhamento de crianças e jovens. Reduzi-as a cerca de 130, sem antes reler uma grande parte. Revivi pedaços de vidas. Reconforto. Amor-próprio. Em escassas horas, foi palpável o meu crescimento!
É banal dizer: a vida é uma caixinha cheia de surpresas. Eu direi: não é banal o que essa caixinha pode conter e muito menos a nossa capacidade de “sentir” a surpresa, sempre com uma emoção quase inenarrável…
Odete Ferreira 27-08-2011 16H
Esplanada Café/Salão de Chá Tamisa