Sei que me ouves, tio Zé. E não podia
ser de outra maneira e se as lembranças não estivessem tão materializadas na
minha identidade memorial, não te escreveria…
A tua casa, a casa multifacetada da
minha infância, os espaços onde tantos objetos eram já míticos, altares do meu
olhar infantil, possuídos do sentido espiritual de ti, do avô Alcino, da avó
Cândida, eram já pertença do meu ser menina, como se um lado esotérico me
aureolasse…
Na pequenez dos meus seis, sete anos
já sabia que um dia habitariam no meu espaço. E habitam! Estão vivos numa
divindade de cada um de vós. Há crenças que não se questionam. Sentem-se. Não
se explicam. Tal como a natural curiosidade que a avó Cândida, sabiamente, me
inculcava com os seus relatos de rituais que continuava a cumprir. Ficava numa
espécie de limbo. Saía do tempo real, o eco das suas palavras pousavam-me
delicadamente em outros tempos, em outros lugares, envoltos em brumas de
mistério…
Na minha juventude, permanecia horas –
orelhas arrebitadas, cotovelos
afivelados – a seu lado, fazendo companhia a um corpo inerte, acamado e a uma
memória prodigiosa, arrastando-me nos seus fantásticos contos das mil e uma
noites. E tanto me viciava como me saciava o voraz apetite pelo misterioso. De
tal forma se inculcou que fez parceria na minha relação com a vida e no
paulatino questionamento do seu sentido. Queria respostas…
A voracidade de leituras, a atração
pelos relatos de fenómenos ditos paranormais, foram centralidade num processo
de dialética… Hoje, no distanciamento de décadas, sei que o espírito de cada um
de vós, traduzido na atitude e nos atos, nunca foi uma obrigação. Foi devoção.
Foi doação. E tu, tio Zé, foste o exemplo mais completo que vivificará no
imaginário de cada uma das pessoas a quem te deste. E eu sou uma fidedigna
testemunha. E a tua chama olímpica estará em mim, simples estafeta de um
caminho que desbravo no interior de mim...
Até já, tio Zé.
OF, 30-10-2013
Foto – Autor desconhecido
(Nas minhas memórias, um momento de memória do Tio Zé, falecido a 27 de outubro, por atropelamento brutal...)
Lindo e comovente...
ResponderEliminarSabes, temos muitas coisas em comum, A tua avó e a linda história com
ela é semelhante a minha...
Odete tens uma alma linda, cheia de sentimentos sublimes!!
Beijinho.
Sinto muito Odete...que brutalidade. Linda homenagem, de uma sensibilidade única!
ResponderEliminarBeijuuss na sua alma
Excelente homenagem....
ResponderEliminarUm abraço solidário....
as palavras são quase sempre insuficientes
ResponderEliminar"E não podia ser de outra maneira e se as lembranças não estivessem tão materializadas na minha identidade memorial, não te escreveria…"
mas perduram além do tempo
"Há crenças que não se questionam. Sentem-se. "
Bjo. amigo