domingo, 25 de maio de 2014

Recolhimento


Movo a cadeira de forma a que o meu campo visual não se disperse, ficando balizado pelo espaço natural que os ramos de duas árvores habilmente construíram. Sou agora uma objetiva privilegiada, focando a nesga do largo lago artificial do meu rio apenas mais escurecido, uns metros, na sua centralidade, como se os cardumes se tivessem ali concentrado; águas mansas permitindo que as nuvens líquidas o emoldurem, tornando-se margens naturais.
Sinto-me harmonizada, quiçá, exultando a dopamina da alma.  E é na semântica da alma que a minha última hora se reflexiona. Não questiona. Nem sequer procura respostas. Apenas monólogos mentais…
Educada na matriz judaico-cristã, o vocábulo sacrifício era o pão nosso de cada dia. Não o flagelo mas aquele agir tácito de aceitação de constrangimentos. Não era a minha vontade a comandar-me antes um coletivo de juízos enraizados. Frequentar a catequese, fazer a 1.ª comunhão, a solene, era imperativo. Retifico, uma festa. As minhas festas…
Paulatinamente, estar presente em riuais religiosos foi rareando. Dispenso-me de enumerar razões. Mas hoje quis estar. Organizei-me quanto aos horários e tarefas. E, como sempre, quando assisto/participo numa missa, o meu lado escrutinador, acelera. Dou por mim a analisar cada gesto, cada postura corporal, a magicar que história de vida haverá em cada um dos presentes, a encantar-me com os momentos corais, a surpreender-me com este empenhamento partilhado. Não há regressões. Não lamento os momentos em que ali não estou mas vivo os que, de mote próprio, me suscitam este encantamento.

 É a arte que me deslumbra. Afinal cada espaço pode ser uma exposição tão diversificada qunto a natureza artística de cada ser ousar cinzelar.

Odete Ferreira, 30 -04-14
(Amigos, por motivos pessoais, informo que esta semana demorarei um pouco mais a visitar os vossos espaços. -28-05-14)

18 comentários:

  1. Não fui assim tão espartilhada religiosamente, graças a Deus.

    Gosto de entrar num templo, seja de que crença for, e recolher-me face ao Grande ESpírito ( designação dada pelos índios norte-americanos e a que mais me agrada).

    Como tu, aprecio esteticamente a ritualização : claro que já vi centenas de baptizados, funerais, casamentos, missas,,,,e um baptizado cristão ortodoxo assim como a oração de um pope num determinado momento, uma missa cantada em Paris e cânticos fúnebres no Egipto.

    Abraço grande, amiga, e bom voto :)

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  2. Amiga, foi tão especial ler-te agora...

    Tão profundo,que coloquei uma cadeira (imaginária) perto da tua e

    mergulhei neste recolhimento numa mesma sintonia do voo libertário,

    que não julga nada,só sente ao olhar no toque onde a vida passa (voa)...

    Muito obrigada por este momento da tua arte (de ser) que

    expressa o encanto Vida!

    Bjos.

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  3. Olá.
    E chegamos ao domingo. Com saúde, paz espiritual. uns com os seus desejos, outros com as suas manias, e outros sem desejos e sem manias. Mas, o importante, é que atravessamos, mais esse mar de nuances, vivos.
    Que o Criador, tenha sempre compaixão de nós. Precisamos. Estou lhe deixando um...
    CONVITE
    Passei por aqui lendo, e, em visita ao seu blog.
    Eu também tenho um, só que muito simples.
    Estou lhe convidando a visitar-me, e, se possível seguirmos juntos por eles, e, com eles. Sempre gostei de escrever, expor as minhas idéias e compartilhar com as pessoas, independente da classe Social, do Credo Religioso, da Opção Sexual, ou, da Etnia.
    Para mim, o que vai interessar é o nosso intercâmbio de idéias, e, de pensamentos.
    Estou lá, no meu Espaço Simplório, esperando por você.
    E, eu, já estou Seguindo o seu blog.
    Força, Paz, Amizade e Alegria
    Para você, um abraço do Brasil.
    www.josemariacosta.com

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  4. Não procurar respostas, seja nas margens de um rio ou dentro de uma igreja, talvez seja a melhor forma de ver, de reflectir.
    Gostei imenso do teu texto, como sempre.
    Tem um bom resto de domingo e uma boa semana.
    Um beijo, querida amiga Odete.

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  5. Uma cadeira para vida..beijo Lisette.

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  6. Acompanhei-te, Odete, nesta via-sacra por momentos e locais diversificados. Um recolhimento que deu à luz o teu próprio sentir, num belo e surpreendente texto,
    Bjuzz, querida amiga,

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  7. Como uma objectiva que foca e consegue agarrar os momentos, quer seja num cenário natural, quer seja no interior de um templo durante uma missa, em cenário de partilha e comunhão, tudo pode suscitar esses monólogos mentais, cada um com a sua própria beleza.
    Não tive uma educação religiosa, mas em criança quis frequentar a igreja para cantar no coro. Fiquei decepcionada quando me disseram no fim da missa que não poderia comungar por não ter feito a primeira comunhão. Resultado: nunca mais lá apareci. Sou ateia convicta, mas gosto de igrejas como espaços de recolhimento e de paz.
    Gostei muito do texto. É verdade, toda a arte é deslumbramento; a escrita neste caso, também.
    Parabéns !
    xx

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  8. Uma linda foto. Um local de vista privilegiada, capaz de proporcionar, em momentos de reflexão, uma viagem. Você trouxe, do passado, convicções que atravessam gerações mas que não são abraçadas por todos. Fui educada no cristianismo e mantenho a fé, mas me ausentei dos rituais religiosos. Não creio que a mera presença neles traga frutos, mas sinto que estar em um templo, com o coração aberto, proporciona prazerosos momentos de luz. Arte na contemplação e em sua exposição. Bjs.

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  9. Já tive religião. Depois veio o desencanto e a mentira, as respostas sem perguntas e as perguntas com respostas sempre iguais. Não deixei, contudo, de acompanhar aos templos de todas as crenças, quem me convidava a comemorar a fé, porque isso eu tenho, demais até.
    Ver as outras vidas que se cruzam com a minha, todos os dias, às centenas, aos milhares e imaginá-las nas suas intimidades familiares,laborais, lúdicas... é um exercício que preenche a minha biblioteca mental de personagens que repesco aqui e ali.
    Adorei ler-te sem ser em verso. Posso até dizer que este registo favorece muitíssimo a tua escrita.
    Beijos mil. D

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  10. Privilegiada sim. Como poderia não ser, com o Tua aos pés?
    Desta vez é o texto que enquadra a imagem ;)
    bj

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  11. A arte está nos olhos de quem a aprecia e observa.

    Quantos olhares indiferentes, sem saber desfrutar dos instantes da vida e das suas personagens.

    Beijos

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  12. ser humano muito louco você é e neste texto viajo com a riqueza de detalhes e poderosas percepções!

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  13. OI ODETE!
    MOMENTOS DE CADA UM, PENA QUE MUITOS FORAM ESQUECIDOS, MAS PERMANECEM EM NÓS.
    A TUA ARTE ESTÁ NA ESCRITA, HAJA VISTO TEU TEXTO.
    ABRÇS

    http://zilanicelia.blogspot.com.br/


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  14. Oi, Odete!
    O ser humano sempre precisou de rituais e quando criamos uma rotina, quase não percebemos os detalhes, por isso, manter-se longe para refletir e viver a sua religiosidade de forma liberta faz o seu espírito mais sensível.
    Quando criança e até a adolescência, cumpri os ensinamentos religiosos da minha família e depois, curiosa como sou, encontrei o meu próprio caminho. As religiões interagem entre si e se estudar, verá que uma tem um cadinho da outra. Não me prendo às religiões, mas tenho admiração pelas pessoas que usam a fé para praticar o bem.
    As ladainhas, louvores, rezas... funcionam como mantra, para deixar o nosso eu em sintonia com o universo. Sim, já me peguei observando pessoas e imaginando o modo de ser de cada uma. Admirável ser humano!!
    Boa semana!!
    Beijus,

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  15. Certos seres, para além da educação que tiveram, já nasceram com o precioso toque de questionar, de interrogar, de querer saber, de querer entender... Talvez, no fundo, seja a mais profunda manifestação do desejo de ser livre, de ser feliz.

    Beijo :)

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  16. Boa tarde, Odete
    sempre estamos questionando algo na vida, na comunidade, no mundo.
    Porém há os momentos que o silêncio se faz necessário para obtermos as respostas
    que nossa alma necessita. Gostei muitíssimo do seu texto. Temos um grande e lindo templo que está em nosso coração. Tenha um lindo dia. Grande abraço!

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  17. Amig@s: grata pela vossa presença e comentários sempre tão sábios, acrescentando valor ao texto postado.
    Gosto muito de ter os meus momentos de recolhimento; apesar de solitários nunca são de solidão. Eu própria a preencho...
    No caso em apreço, os lugares de culto, serão sempre um espaço de introspecção...)
    Aos novos que que vão chegando ao blogue, logo que tenha oportunidade retribuirei a(s) visita(s), começando por ser seguidora para ter a notificação das postagens.
    Bjo nos vosso corações :)

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