domingo, 30 de novembro de 2014

Reinventar momentos



O espaço prepara-se devagar apesar de mãos afadigadas.
Há urgência no desnudamento das árvores. O inverno, já cansado do cerco outonal, das cores fulgurantes de paixões acesas, precisa depositar o sémen branco em cópula de amores calmos. É o seu tempo. É a sua natureza. Sabe que, daqui a uns meses, nascerão rebentos esperançados no verde da terra.

Entretanto, há mãos doces que se deleitam no alisamento da rugosidade das folhas: umas imaculadas, resguardadas em espaços abençoados, outras espezinhadas nos caminhos palmilhados -  há sempre mortes ainda que involuntárias.

Mas o espaço prepara-se devagar. Pincelado aqui e além. Sem surpresas. As cores de mãos afadigadas libertam o vermelho e o dourado. As formas são recriadas. Já nada há a reinventar. Acredito que apenas o espírito. Esse todos os anos se sente diferente. Irrepetível, ainda que os gestos se façam iguais e da boca saiam palavras desgastadas pelo uso.

Na causalidade das coisas será a alma a reinventar os momentos. E é neste espírito que preparo o espaço. Devagar. Tenho tempo. Só amanhã será dezembro… 


Obra de Lula Cardoso Ayres
Odete Ferreira (OF)
30-11-2014

20 comentários:

  1. Suas linhas sempre nos oferecem uma linda e ímpar vontade de nunca parar de ler... Parabens querida... adoro teu trabalho.

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  2. Oi menina, amei o texto,parabéns! Tbm venho precisando a me reenventar. Mas como não tenho pressa deixarei para 2015,pois terei 2015 motivos para adorar ler os seus textos, agradecer por sua amizade e por todas as vezes que vc esteve em meu blog.2015 motivos para continuar a interagir com pessoas assim como vc,bjsss

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  3. Devagar mas convictamente, os ciclos da vida imitam os ciclos da natureza. As árvores despem-se rapidamente, o frio começa a apertar, e ao Inverno parece faltar sempre paciência para esperar essa cópula com a natureza. A Primavera dar-lhe-á razão no próximo ano ao exibir os frutos que nasceram.
    Há folhas que morrem para que outras nasçam, porque a natureza tem sempre razão. Não sei se nós temos essa desejável sabedoria para nos reinventarmos no regresso das estações, mas que o tentemos, para além do desgaste das palavras.
    Um texto que é poesia pura. Adorei ler, Odete, muito bem escrito!
    Boa semana!
    xx

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  4. Oi olha eu aqui de novo...Desta vez para convida-la a participar da votação das tags e das poesias. Estou participando,mas acho justo que ñ possamos dizer qual a nossa. Porém ficaria muito feliz se vc fosse onde esta acontecendo a festa e desse o seu voto com o coração.
    Podemos contar com vc?
    http://boas-festas-2014.blogspot.com.br/

    Bjsss

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  5. Você escreve com beleza e sensibilidade. A prosa poética que nos apresenta é encantadora. Eu me delicio com textos que se vão desenvolvendo assim leves, mas contendo uma lógica capaz de nos fazer refletir. O outono tem cores diferenciadas . Seu dourado e seu avermelhado nos mostram sábias despedidas das folhas que caem e se vão, levadas pelo vento, amassadas pelos pés. Não há desgosto porque renascerão com o mesmo frescor de antes. O espírito tudo acompanha, mas é realmente outro a cada ano. Muito já se lhe passou pelo olhar, como ensinamento. Seu caminhar não segue o tempo das estações que viveu. E seu reinventar exige empenho e vontade, eis que não se dá na mesma forma espontânea da natureza. Grande beijo!

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  6. Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, como diria Lavoisier, e se constata ciclicamente no processo do envelhecimento e da morte que renasce timidamente até ao desabrochar em esplendor. A alma acompanha... pena o invólucro desditoso.
    Miles de besos.

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  7. Uma descrição romanceada das estações que nos circundam.

    Prendi-me por aqui e quase passei a gostar desta altura.

    Beijinhos

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  8. Consigo estar "dentro" do Espírito que tão bem recrias. Encontro nele, todo Poesia, os encantos da alternância de Estações e Época: Outono/Inverno/Natal.
    A convergência é tamanha que nem o renascer é esquecido.
    Adorei.


    Beijos


    SOL

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  9. Oi, Odete!
    Mas que bom que o espírito se renova, mesmo que tudo seja apenas um repetição automática da natureza. Nos acostumamos a isso, como se fóssemos os ponteiros de um relógio que fatigadamente rodopia em um mundo de causas e efeitos.
    Estou atrasadinha para preparar o meu espaço :)
    Beijus,

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  10. O tempo faz falta para que as coisas aconteçam.
    Na natureza e em nós...
    Magnífico texto, gostei imenso, como sempre.
    Bom resto de semana, querida amiga Odete.
    Beijo.

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  11. Gostei muito tanto do texto como das ilustrações.

    Esperemos que o povo português tenha capacidade e coragem para se reinventar!

    Querida amiga, no meu abraço vão votos de bom resto de semana :)

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  12. Odete,
    As tuas palaras, forjadas em sentires mil, já me são imprescindíveis.
    Que o espírito prevaleça!

    Beijo :)

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  13. Boa tarde, texto social profundo, sem a necessidade de nos reinventar e concretizar somos esmagados sem escrúpulos por quem deseja a submissão.
    AG

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  14. Oi Odete!
    Que belo texto!
    Gostei muito desse trecho: "Há urgência no desnudamento das árvores. O inverno, já cansado do cerco outonal, das cores fulgurantes de paixões acesas, precisa depositar o sêmen branco em cópula de amores calmos. É o seu tempo. É a sua natureza".
    Ao o Outono coube o mérito em preparar as árvores para um evento maior. A perpetuação da espécie!
    A Natureza reinventa sempre!
    Beijos e bom fim e semana!

    VitorNani/Hang Gliding Paradise

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  15. Uma pintura, este texto. O outono toma formas desconcertantes em tons de mel e a pressa devora os momentos mornos... É preciso reinventar a respiração do amor...
    Beijo.

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  16. «... a alma a reinventar os momentos.» - é necessário uma reinvenção, uma renovação verdadeira, para prosseguir na repetição que são os dias, uns depois dos outros, as celebrações, umas a seguir às outras, sempre numa mesma sequência. Vivemos num desfolhar de calendários, uns após outros, até o dia final.

    bj amg

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  17. Bela recriação da natureza! As palavras vestem-se de sensualidade outonal e o Inverno atinge aqui uma virilidade que o tempo acalmará!
    É em paz que te fazes Dezembro!
    Beijinho, querida amiga.

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  18. Gostei de reler o teu excelente texto.
    Tem uma boa semana, querida amiga Odete.
    Beijo.

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  19. Grata, amig@s, pela vossa presença e comentários.
    Que o espírito natalício prevaleça, independentemente da decoração dos espaços.
    Por isso, preparo o meu (espaço) devagar. Já iniciei a tarefa...
    Sorrio-vos :) :)

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