sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Desceu-te a noite

Obra de Edward Hopper

Desceu-te a noite. Mas era tão clara
a hora marcada nas tuas primaveras.
Tremor a travar teus ruidosos passos,
os francos sorrisos. Até a pressa
da raiva, no momento.

Assaltou-te a mudez. Tu que eras
a loquacidade de todos os espaços
e a promessa das vozes perdidas
nos becos. Escuros. Mas onde
deixavas archotes vivos.

Cobriu-te a dor. Ferida exposta
a tantos rostos desconhecidos,
mas iguais na nudez do corpo,
nas marcas disfarçadas pelos cuidadores
da dignidade arrancada – quando? –
na emboscada da vida.

Pesou-te a derrota.
Capitulou o orgulho de seres.
Visionaste o fim do império construído.
O vale, onde as lágrimas eram criação,
secou-te o húmus e perdeste a fé
na eternidade dos montes. Teus!

Visitou-te o rio. Dele bebeste
a força de todas as nascentes
e as palavras que o homem inventou
para se ancorar.
E nele lavaste a roupa ensanguentada.
Vestida de branco e olhar de lua,
estendeste o braço. Pacientemente.
Naquela sala, iniciaste a luta. A tua!

OF (Odete Ferreira) – 19-10-16

16 comentários:

  1. É preciso erguermo-nos sempre e reiniciarmos a luta,
    por mais destrutiva que tenha sido a queda...
    Há um tom épico no poema, que o torna ainda mais belo,
    incentivador e expressivo.
    Grande abraço, Poeta amiga.
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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  2. Gostaria de partilhar contigo a postagem que publiquei no dia 19/10/16, no meu blog A CASA DA MARIQUINHAS/, que assinala o meu regresso à blogosfera após as férias.
    Desde já o meu “Bem hajas!”
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

    PS – Desculpa o “copy & paste”

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  3. Levantada do chão

    Gostei do seu poema
    Bj

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  4. Às vezes é preciso quase morrer. É preciso desarticular o medo, transgredir todas as solidões para encontrar o rio que purifique todas as sedes...
    Tão belo, o poema, Odete! A pintura de Hopper ilustra-o muito bem.
    Um beijo.

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  5. Pois... cada um tem a sua luta. E quase sempre ela começa pelas noites. Bjjjssss!

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  6. Portei-me bem e vim ver esta coisa linda de se ler!...

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  7. Desce o verso a ti. "Desceu-te a noite. Mas era tão clara
    a hora marcada nas tuas primaveras."

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  8. A vida e o decorrer dos seus dias vai deixando marcas, algumas tão profundas que, em algum momento, há que iniciar "a luta".
    E isso pode acontecer até mesmo numa sala...
    Gostei muito deste poema.

    Agradeço os comentários acerca do conto que publiquei em três episódios. E fico feliz por teres gostado.
    Obrigada, amiga.

    Continuação de boa semana.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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  9. Um poema grandioso, provoca a reflexão profunda e veste
    a noite como silêncio inquietante, questionamentos que
    se deixam ir na nudez da alma...

    Maravilhoso, num todo de arte: poema e a imagem que
    se comunicam em harmonia e completude.

    Um final de semana luminoso e alto astral, querida Odete!
    Beijo.

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  10. É assim. Só se levanta quem cai. A força para a luta advém do sofrimento que se venceu.
    Um abraço

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  11. Pois é, querida Odete, muitas vezes fico pensando como a vida traz desgraça exagerada a muitos, e que mereceriam uma vida mansa, mais leve, pois são almas tão boas. E me pergunto, mas quem nos disse que viemos nesse planetinha para passearmos, para vivermos felizes sempre?
    Belo seu poema, gostei, e é bom pensarmos.
    Beijo, amiga.

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  12. Que bonito, parabéns mais uma vez...Beijinho

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  13. Minha amiga, que belo este teu poema!

    Temos mesmo seguir em frente , enfrentando as amarguras.

    Apertado abraço

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  14. Tenho alguma dificuldade em comentar este belo poema, mas não queria passar por aqui sem deixar a minha presença, e como diz a Elvira e com razão, só se levanta quem cai.
    Um abraço e bom fim-de-semana.

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  15. É triste, muito triste quando já não conseguimos valer-nos a nós próprios e que apesar do amor e da amizade dos cuidadores das nossas dores, a nossa dignidade fica exposta. Trata-se de uma nudez sem volta. As palavras, todas as palavras inventadas num "dia claro" despem-se de sentido. Apenas restará a essência nossa evolada num plano quase inacessível.

    Um belo Poema, cara Odete. A tua escrita me encanta.

    Beijinhos

    Olinda

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  16. Bom dia, Odete, seu poema me levou às lágrimas, senti cada palavra, pareceu-me estar vivendo a situação da derrota ou do final da esperança. São tantas as leituras que podemos fazer nesta sua escrita, mas o que senti vivenciei no coração. Grande abraço!

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