quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Gente de largo chão

Obra de Paula Rego

Cala-se a voz, emudece um povo,
chora a terra, enluta-se um país,
nódoas de dor, olhos de gato judiado,
teias de sublevação a nascer
quando das escuras es-quinas
espreitam tochas a refulgir o brio perdido.

Silenciosas noites, fervilhantes poemas,
metáforas encapuçadas, hipocrisias descaradas,
bailados de cadeiras, tiranias apalavradas,
quando pela palavra se amordaça a língua.

Afoitam-se os passos nos paços dos abutres
esperando a madrugada redentora.

Há um cravo vermelho na seiva primeira,
cravado na espinha dorsal da Lusitânia,
no jardim de pinhais e cânticos de vontade
donde os rijos mastros saíram para navegar.

De vez em quando amoucha-se o cravo vermelho
e o sangue que o alimenta esvai-se de vergonha.
De novo, tremem os passos nos paços dos abutres,
chamando a madrugada redentora.

A liberdade medra em terra de pão,
a independência é gente de largo chão.

OF –01-12-16

18 comentários:

  1. Belíssimo este poema, com que assinala o dia da restauração. Um grito de alerta, uma pedrada no charco dos abutres, que nos rondam.
    Um abraço

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  2. Muito bonito amiga Odete,e com tanto sentido...Pois na realidade, continuamos rodeados de abutres, que nos vão comendo até ao nosso íntimo!!!

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  3. Maravilhoso poema, Odete. No Brasil é bem pior. O mundo está sem moral? Ou o planeta está lotado como uma gaiola de doidos. Parabéns! Abraço fraterno. Laerte.

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  4. O teu poema é lindissimo...

    Quanto a Paula Rego não lhe aprecio a obra.

    Beijinhos e feliz Dezembro

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  5. Um dia será outro dia
    nos mastros mais altos

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  6. "gente de largo chão" tantas vezes, ao longo da sua história, pioneiro...

    beijo

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  7. Um canto dum realismo intensamente cru e impressionante!
    E eu pensando que tínhamos ultrapassado o tempo do opróbio,
    que vivíamos um tempo de muita esperança e que lenta, mas
    seguramente, íamos recuperando o brio e a nossa soberania...
    Como tenho vivido nas nuvens! Fico grata por me colocares
    de sobreaviso...
    O poema está de uma magistralidade espantosa e o monstrinho
    da Paula Rego ficou ótimo como ilustração do desespero...
    Por agora, vivamos o Advento em solidariedade, com a certeza
    que só o amor e a arte nos poderão ajudar a consolidar a
    nossa força.
    ~~~ Abraço, querida amiga ~~~

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  8. "a independência é gente de largo chão." Que nunca se cale a voz de quem assim nos alerta para os perigos de um país que emudece. Um poema com imensa força, Odete. A pintura da Paula Rego "a mulher cão" vai muito bem a ilustrar as tuas palavras.
    Uma boa semana.
    Beijos.

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  9. Seu belo poema, Odete, bem poderia ser dedicado a este país irmão, que tal qual uma galera à deriva, navega num mar de águas turvas!
    Mas aí, na terra dos descobridores de continentes, os cravos vencerão os abutres mais uma vez!
    Beijos e boa semana!

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  10. Odete, minha amiga
    Este poema, além de muito bonito (com beleza, pura e simples) é duma força inaudita. Nada melhor - para assinalar a data da Restauração da nossa Independência.
    A Liberdade e a Independência têm que andar de mão dada, mas precisam ser muito protegidas, em permanente alerta, porque os abutres espreitam a cada canto...

    Votos de uma semana muito feliz.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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  11. Boa tarde!
    Estou passando para deixar um abraço fraterno!
    Maria alice
    http://www.mariaalicecerqueira.com.br/

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  12. OI ODETE!
    PARECE=ME QUE O MUNDO ESTÁ SE DEBATENDO E NÓS,MEROS JOGUETES NAS MÃOS DE POUCOS QUE NOS TOMARAM PELO CABRESTO.
    AQUI NO BRASIL, TAMBÉM ESTÁ UM CAOS. O POVO VAI AS RUAS, GRITA, CONSEGUE ALGUMA COISA E QUANDO VEMOS, NA CALADA DA NOITE OS ABUTRES ENSAIAM OUTRO GOLPE.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  13. Um poema que é um grito de luta e liberdade.
    Muito belo e empolgante.

    Um beijinho Odete

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  14. A tua força e energia está estampada neste teu grito . Interessante que ao ler pareceu poesia apropriada para um hino ! De resto a "dança " continua haja ou não geringonça. Nada se perde , tudo se recria ! Fantástico Odete . Abraço !

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  15. Uma poesia que serve tão bem ao meu Brasil também! Abração

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  16. Minha amiga,

    Um poema de excelência (sempre aqui...) e de uma
    inspiração que grita pela voz do povo, que quase
    sempre roubada nos seus direitos de igualdade
    democrática.
    A imagem escolhida é perfeita para o poema,
    na força da intervenção da "gente de largo chão".

    Um momento de leitura único e grata por este momento!
    Bjos.

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  17. Olá, caríssima amiga! Como tem passado?
    Venho desejar-lhe uma excelente Quadra Natalícia!

    Bjjjjsss!

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  18. Um puro grito de desespero, de indignação, de dor! Serve para teu país, serve para meu Brasil. Grito de tudo, de revolta. A obra está maravilhosa no sentido de casar com a situação, realista. Parabéns, amiga!
    E sem gritos, na fusão das nossas vontades, deixo a você os meus votos de saúde, de mais alegria, de paz, de justiça.
    Beijo, amiga!E digo-lhe obrigada amiga por tão bom intercâmbio!

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