terça-feira, 30 de agosto de 2011

Recortes de uma cidade

 Porto. Tarde ainda bastante quente, soprando uma leve brisa que faz ondular os cabelos encaracolados, emoldurados no meu chapéu branco…
Não me dizia nada esta cidade nos tempos de estudante. Fria, talvez por estar habituada a jovens de mente aberta, acolhedores, com quem privava na Faculdade de Letras de Lisboa, vulgo cidade universitária.
Assim foi durante muitos anos, longos anos mesmo.
A poesia aproximou-me. A minha editora, vir a lançamento de livros, obrigou-me a outro olhar. O olhar que se passeava mais lentamente por estas ruas estreitas, povoadas de edifícios acinzentados, alguns bem envelhecidos mas que brilhavam, muitos deles, pelos azulejos das fachadas. Sempre me atraíram, conferiam uma singularidade pelas cores que habitaram outras épocas. Monumentos altivos, cuja arquitectura esguia e de pormenores me fazia pensar nas pessoas que se teriam esmerado para os tornar intemporais.
Foi o tempo de espera em horas introspectivas que criou esta vivência (outra evocação do episódio da raposa e do principezinho…).
Um Porto com mais “movida”, mais cultural, bares e esplanadas charmosos, alguns com música de fundo de bom gosto, apurando a minha sensibilidade musical.
E o afecto fez-se presente. Devagarinho, apesar do constante (e apressado) movimento de carros e autocarros. Gente que se passeia, sem pressas, talvez porque hoje seja sábado, permitindo que ouça pedaços de conversa a partir das quais poderia construir histórias de vida…
Turistas que se quedam, embevecidos, fixando momentos em fotos que tiram, estrategicamente. Há pouco, um senhor procurava um vão de uma porta para apanhar um ângulo que o prendera. Intrigada, olhei em redor para perceber o que quereria captar dali. Quase diria que seria a cúpula de um monumento. Dali conseguiria retirar as árvores frondosas e alcantilados ao seu céu, assim como os anúncios, poluentes visuais, para captar a beleza esbranquiçada que se oferecia a um sol dourado. Apesar da luminosidade quase única de Lisboa, em dias como este, imagino a avidez por este sol dos turistas nórdicos. Sei-o, já recebi dinamarqueses na minha casa, no âmbito do projecto Comenius.
O Porto. Cidade velhíssima que (re)visito agora com prazer. E sorrio, lembrando-me da eterna rivalidade Norte/Sul, embora nada a compara a outra realidade histórica: a guerra civil americana, por motivos nobres.
Eu, que adoro Lisboa, começo a sentir esbater-se esta minha preferência. Um Porto mais modernizado, não tão cosmopolita, mas de pormenores que fazem a diferença.
Ainda tenho tempo suficiente para apanhar o autocarro de regresso. Abro o portátil e passo este texto do bloco que me acompanha sempre. O meu “Portate-mal” vai ficar mais cosmopolita. Ah! E musical. Continua a chegar-me a música da esplanada ao lado…

Adenda
            Já na Central de Camionagem, um homem aparentando estar na casa dos quarenta, aborda-me…Olho-o fixamente, enquanto me conta a sua história; tem fome, mostra os braços nus para que a sua narrativa soe a real: “Veja, não consumo drogas, não me injecto…”, pormenor que em nada afecta o meu sentir. Comprara dois queques, tiro um e dou-lho; dinheiro, há muito que consegui deixar de dar. Tocou-me? Sempre lidei mal com este lado das grandes urbes, que já não detêm a exclusividade. Aliás, a mendicidade, os casos sociais, abalam-me sempre. Regressei escura, mas as lágrimas já são controláveis…
            Ocupei a mente a limpar o meu 91 de sms (mais de 500, cheguei a ter mais de mil) que marcaram um período (2009/10) de intenso e marcante trabalho de acompanhamento de crianças e jovens. Reduzi-as a cerca de 130, sem antes reler uma grande parte. Revivi pedaços de vidas. Reconforto. Amor-próprio. Em escassas horas, foi palpável o meu crescimento!
            É banal dizer: a vida é uma caixinha cheia de surpresas. Eu direi: não é banal o que essa caixinha pode conter e muito menos a nossa capacidade de “sentir” a surpresa, sempre com uma emoção quase inenarrável…

Odete Ferreira 27-08-2011 16H
Esplanada Café/Salão de Chá Tamisa

7 comentários:

  1. Crescimento, como já falámos, querida.
    A vida é uma merda-permite-me que seja vulgar- a que só damos valor quando a sentimos escorrer entre as mãos como grãos de areia.
    Felizmente ainda há quem saiba ser feliz...quem saiba sorrir e dar a mão. Tu és assim.

    Beijos emocionados por tudo o que este texto deixa antever e que de que já falámos por telefone.

    A Invicta, essa, é a minha paixão...adormecida.

    beijos mil, princesa.

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  2. Obg, pela tua doçura, apesar de algumas palavras sofridas...
    Tenho de sorrir: hoje uma jovem escreveu um texto à volta do sentido do termo "felicidade", num dos grupos de que também sou administradora. O comentário que deixei daria um texto para postar. Talvez o faça, daqui a uns dias...

    Hum, talvez me venha ainda a "apaixonar" pela Invicta :) :)

    Bjos, mon amie :)... Ça marche!

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  3. Fiquei surpreendida com este texto por várias razoes..O amor a Lisboa..bom ,cálido nas recordaçoes de estudante..Eu também amo Lisboa é aminha cidade ainda que estivesse fechada no "Colégio"..havia sempre geito de se escapar e passear por o campo grande..fazia o trajeto a pé..desde Sao Sebastiao da Pereira..até aos Anjos que era donde viviam os tios...Por o Porto..cidade que me agarrou por senhorial e lembro cada recanto com simpatia por uma cidade que foi tao maltratada em boca dos "Alfacinhas"..E logo o comovente final do texto..és uma joia rara,belissima de interior jaspeado que te dá essa luminosidade externa que encadeia..
    Essa caixinha ou janelinha ,bem que demonstra todo o carinho que dás ..e por tal é tanto e será mais o que tenhas que receber!!!
    Um abraço enorme para ti corazon!!

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  4. (hoje, esta cidade até parece ter mais sol:))

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  5. Que dizer, Inês? Estou no texto, explanas-me no comentário...
    Lisboa e tudo o que evocas: também palmilhei (chegava-se por vezes mais depressa) por esses sítios. Natural, a minha ligação, pois nos sítios moram as pessoas que nos dizem ou disseram muito, que nos valorizavam, sentindo o corpo e alma a crescer.
    O Porto: outro patamar, mais académico, por necessidade, um corte, pela vida, uma aproximação, pela escrita.
    Obg por seres uma das pessoas de quem recebo muito do pouco que dou...
    Bjos e também o abraço que tanto significa!

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  6. Nina: o sol vê-se mas, a maior parte, sente-se...
    Tu és e serás sempre um sol!
    Bjo :)

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