quinta-feira, 24 de abril de 2014

E da boca caem palavras azedas


Ocorre-me que esta brisa
podia não ser ar  em movimento.
Apenas a perceção de ondulação
nos elementos entelados
como hastes curvadas para o chão
que secou as raízes de vontades
e mesmo os ventos da mudança.
Pinturas. Estilizadas ou não.
Minimalistas. Mas em liberdade pinceladas.

Da boca caem palavras azedas.
Nos silvados não as colho,
dilaceram estes dedos enlutados.
Não os vejo, agrilhoados na prisão
de um ventre que já não
engravida filhos com sonhos.

Leda de tempos passados,
vividos nas asas dos pássaros
que sentia em ombros leves.
E partia. E voava.
E pregava nos amanheceres.
E atardava os entardeceres…

A memória é o que resta
da perceção de um eu.
Contudo serei sempre fiel
à História da verdade.
não a histórias de cordel.
Daquelas que continuam a contar,
toadas, em tempos de antena
fazendo do meu Abril
apenas uma farsa, uma data…

Já nem as telas são figurativas.
Os cravos desbotados
partiram. Emigraram.
Fiquei eu e outros,
Pássaros de voos penhorados…

OF - 23-04-2014

20 comentários:

  1. Muito bonita a tua poesia em tempo de cravos !

    Beijos, minha madrugadora :)

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  2. Olá Que linda linda poesia, de versos leves e musicais! abração

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  3. Os cravos não partiram, deixaram-nos murchar, mas a tua vontade ainda pode voar "nas asas dos pássaros
    que sentia em ombros leves."
    Lindo.
    Beijo

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  4. Quem sonhou, acordou a ver os cravos murcharem presos em bandas de casacos coçados, outros, hipocritamente, a enfeitarem os mentideros da torpe política liquidatária da esperança da liberdade -do sonho da justiça, enjaulada em bonitos palácios. Ah! Abril dos cravos, quando chega a Primavera?

    Gostei do teu lindo poema
    Um abraço
    Hélder Gonçalves

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  5. Um poema muito eloquente em relação ao desbotar da cor dos cravos, da paciência e da esperança de um alvorecer tão prometedor, mas todo sonho de justiça social e igualdade ficaram por cumprir.
    O 25 de Abril é hoje para muitos um dia sem significado algum.
    Gostei muito do poema. Um pouco azedo porque muito realista.
    xx

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  6. Minha querida

    Infelizmente tudo morreu quase à nascença. Pouco ou nada resta dessa alegria que nos aqueceu o coração com a esperança de um novo tempo.
    Um poema muito verdadeiro em cada palavra.

    Um beijinho com carinho e bom fim de semana
    Sonhadora


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  7. Finalmente alguém que sabe tratar esta data.

    Somos pássaros penhorados e de que maneira.

    Um poema digno de ser cantado.

    Beijinhos

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    1. Bem, fiquei sem pio, Pérola...
      Se souberes de alguém que o queira musical cedo os direitos de autor :)
      BJO

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  8. Ocorre-me que este tempo enegreceu na cor esbatida de um cravo vermelho

    "Ocorre-me que esta brisa
    podia não ser ar em movimento.
    Apenas a perceção de ondulação
    nos elementos entelados
    como hastes curvadas para o chão
    que secou as raízes de vontades
    e mesmo os ventos da mudança."

    São livres as palavras, mas são amargas
    Como um corpo caído em manifesto

    "Da boca caem palavras azedas.
    Nos silvados não as colho,
    dilaceram estes dedos enlutados.
    Não os vejo, agrilhoados na prisão"

    Resta a memória sim
    E a vontade
    porque, na verdade, são ainda vermelhos os cravos

    Gostei muito da força de um poema que é poema-canção.

    Bjo amigo

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  9. Uma realidade tão triste que não tem ponta por onde se pegue
    para negar.

    Teu lamento ecoa profundamente dentro de mim,pelo
    muito que já ouvi,pelo que já vivi e pelo tudo que senti
    e sinto.

    De facto abril nunca mais será o mesmo
    nem tão pouco os cravos.

    E fica Gradôla Morena a morrer lentamente
    nas vozes cansadas

    E nas asas dos pássaros qe já não sabem para que céu voar.

    Bisous querida Odete, que permaneça em nós
    uma réstia de esperança.

    Ler-te é sempre um prazer.

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  10. Nossa engasguei... quão palavras profundas minha amiga... Querida Odete venho te convidar a participar de mais uma Colcha de Retalhos de Amor em homenagem ao Dia das Mães. Aparece na Ilha e saberás :-) um enorme beijo no coração e porta-te mal neste domingo :-)

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  11. "fazendo do meu Abril
    apenas uma farsa, uma data…
    "
    Como eu te percebo.
    As tuas palavras, como sempre, revelam o imenso talento que tens para as letras. Excelente, é o mínimo que posso dizer acerca deste maravilhoso poema.
    Odete, querida amiga, tem um bom domingo e uma boa semana.
    Beijo.

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  12. Oi, Odete!
    Um poema muito bem situado!
    Saber a verdade é para poucos e cultivá-la é o que nos mantém "livres" das mentiras da Historia.
    Difícil destacar qualquer parte do poema, pois ele é todo muito bem dito e construído!
    Beijus,

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  13. Querida Odete,

    Um poema-canção belíssimo que toca profundamente no coração,

    com o tom questionador da liberdade do voo, inscrito de história,

    vivência e memória...

    O voo precisa do alimento dos sonhos e é triste saber

    que voar ficou cada vez mais raro...

    Sei que a beleza da tua poética percorre o voo infinito do Ser e nos

    possibilita voar neste infinito!

    Beijos e abraço afetuoso na tua alma luminosa...

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  14. Os cravos têm-nos cravado a seu gosto.
    Tivemos Governo e substituiram-no pelo Poder.
    Aqueles que não sabem o que é a Pátria, dificilmente se lembram do que é um POVO.

    Um magnífico Poema de Intervenção, com todos os ingredientes.

    Parabéns. Gostei.


    Beijos


    SOL

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  15. Sabe Odete, ao ler cada estrofe imaginei ouvir um fado. A verdade só poucos sustentam!
    Beijuuss

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  16. O teu , o nosso Abril, minha querida jamais será uma data, porque a alegria que sentimos ninguém tem o poder de no-la roubar.

    Quanto ao tempo de chumbo com que nos sufocam, acabará por cair , plenamente.

    Ao contrário do que certa luminária afirmou, a História não acabou!

    MInha amiga, abraço forte e fraterno

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  17. Seus versos são fortes e traduzem sentimentos que, certamente, estão abrigados no coração do povo. Para voar é preciso que se mantenha a capacidade de sonhar. E ela costuma ficar escassa quando a esperança não recebe alimentos.
    (Demorei para chegar porque estava viajando). Bjs.

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