O 1.º de maio de 1974 foi algo que nunca se
apagará. Manifestações espontâneas. Mulheres de olhos brilhantes, como se de
uma emancipação coletiva se tratasse.
Jovens irmanados num sentir e num vestir muito idêntico. A minissaia, as
golas, as calças à boca de sino, são adereços exteriores que, além de marcarem
uma época, conferiam condição identitária às massas. Os comícios,
as sessões de esclarecimento, ingressar em partidos como o MRPP, a LUAR e
outros foi um patamar obrigatório para uma juventude que vivia a utopia, que
renascia, sentindo que havia uma missão a cumprir. Ler Mao Tsé Tung e afins em
pleno café… Roubar, literalmente, maquinetas policopiadoras para os panfletos
de propaganda e educação dos trabalhadores. Assaltar sedes, assistir à
radicalização do discurso, ver o meu irmão ainda ser levado pela polícia e
assistir ao amontoado de gente junto do Tribunal pedindo a libertação dos
jovens… Um pouco de tudo isto vivi e de forma ativa. Armas nunca escondi em
casa mas propaganda, sim. No meio da liberdade conquistada, a clandestinidade
de ações como esta e outras, fizeram-nos mulheres e homens de fortes
convicções. Os próprios conteúdos universitários passavam pelo contacto com
autores até aí circunscritos a uma minoria. Lembro-me de ler Althusser, na
Faculdade de Letras de Lisboa, onde fiz algumas cadeiras de 1.º ano (e como
tenho gratíssimas memórias desse tempo!). Até o namoro era revolucionário,
pois, frequentemente, eram as cumplicidades nas ideias e ações que nos uniam.
“Vemos, ouvimos e lemos” e eu acrescento, vivi intensamente um período que
marcou indelevelmente a matriz do meu ser, do meu estar e, sobretudo, do meu
pensar e agir. Nunca mais fui a mesma. Da luta mental passei a uma luta ativa.
Fazendo, crescendo, cimentando, convencendo. Os Direitos do Homem ganharam
aquele sentido já delineado na Revolução Francesa. E é ainda por eles que
continuo a ser uma fiel filha do 25 de abril de 1974…
Odete Ferreira
Termina, nesta partilha, a divulgação do testemunho, publicado na Coletânea "25-04-1974", iniciado no dia 23 de abril.
Muito grata a todos os que o viveram comigo, estando presentes nas partilhas.
Sempre presente nas memórias vivas
ResponderEliminarE não vivi nada disso!
ResponderEliminarUm abraço
Há momentos que nos marcam para sempre...
ResponderEliminarConheci assim, seus momentos cidadã.
Abraço.
Foi realmente um período de euforia muito especial.
ResponderEliminarem todos acreditámos numa sociedade mais equilibrada
e justa da estamos vivendo...
Foi muito agradável ler-te.
Grande abraço, Odete.
~~~~~~~~~~~~~~
...em que todos...
EliminarBj
Estou aqui a sorrir, para mim que estou sozinho a esta hora, depois de ler de fio a pavio este testemunho. A sorrir de ti e de mim a relembrar emoções (boas, más, sustos, correrias), o desflorar de ingenuidades, que a todos avassalaram. A percepção de um mundo bolorento e a conquista de um novo, em estado virginal, por onde nos aventurámos numa atitude pioneira e voluntariosa.
ResponderEliminarEu já tinha sido acometido pelo bichinho que minava pela calada, quando a revolução chegou. Lia e via coisas que não "devia". Cantava o Zeca já em 72 e 73, agarrado à viola, em encontros de amigos mais ou menos alargados; claro que havia gente que não se apercebia nem percebia da "marosca" mergulhados na santa ignorância. As coisas tinham de ser feitas com tacto...
Soube da Revolução depois do almoço do dia 25. Estava na tropa, em Angola, num sítio que não existia - só quartel (um conjunto de barracas de madeira). O comandante chamou os graduados e comunicou-lhes:
- Em Lisboa deu-se um golpe de estado, o Governo foi derrubado. Vamos manter-nos serenos até recebermos novas ordens.
Que a memória seja orgânica, cresça e desassossegue os espíritos. Sempre.
Bj.
Querida Odete
ResponderEliminarFoi uma viagem ao passado, um passado comum que, no entanto, cada um vê de conformidade com as suas vivências, o sítio onde se encontrava, o que estava a fazer no momento e a forma como nele se envolveu. Mas o resultado também é comum, pois vimo-nos de um momento para o outro livres e com a possibilidade de fazer coisas, "banais" e "simples" como era ler um livro, ver um filme,- porém muito importantes para o crescimento individual-, participar em manifestações de rua e em todo aquele fervilhar de ideias e de emoções, onde as ideologias marcavam presença pela primeira vez.
Minha amiga, muito obrigada por esta partilha que muito me emocionou.
Tudo de bom te desejo, a ti e a toda a família.
Beijinhos
Olinda
Viajaste no tempo e respondes (sem esse propósito) aos meus pensamentos e personalidade.
ResponderEliminarNão saí do caminho que a minha Formação me havia dado. Estou feliz por isso.
...Mas gostei de te ler.
É um bom trabalho, Odete.
Beijo
SOL
Um tempo em que , ainda na faculdade e de "olhos "fechados", muita coisa se passava e , acostumada aos costumes...sentia-me insolitamente a fugir da polícia na queima das fitas. Não percebia. Tudo se fez luz com a primavera dos cravos. E os poetas e revolucionarios " que estudava acenderam luzes em mim. Cresci.
ResponderEliminarFenomenal testemunho, amiga Odete!
Bjis ****
Odete...
ResponderEliminarVem ao encontro de bloggers em Braga. Adorava dar-te um abraço. É domingo
Anda e porta-te bem
Kis :=}
Boa tarde, é uma dada histórica para quem viveu o antes, foi o 25 de Abril que me deu acesso ao que me foi negado, a mim e a milhões de pessoas, hoje ainda existe uns saudosistas do estado novo e da guerra colonial, guerra esta que serviu para enriquecer umas quantas famílias e empresas, as únicas vitimas da guerra foram os nossos soldados e as famílias destes, enquanto uns morriam, outro ficaram inválidos para toda a vida enquanto a Amália Rodrigues cantava o fado.
ResponderEliminarAbril para melhor, sempre!
AG
Olá, amiga
ResponderEliminarDepois de uns dias de ausência, primeiro por umas mini férias, depois por doença, estou regressando, devagar...
Já me encontro melhor, terminei os antibióticos, agora é só restabelecer...
Tempos imemoráveis esses .
E como foram vividos intensamente!
Lembro-me como se fosse hoje, foi um dia diferente de todos os que vivi até hoje.
Logo às sete da manha telefonaram-me a avisar para não ir trabalhar, de modo que o dia foi passado agarrada à tv e à rádio, para saber as últimas.
Gostei imenso da descrição que fazes, que me fez recordar esses dias tão felizes, tão cheios de euforia, tão diferentes de tudo.
Continuação de boa semana.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
Também vivi plena e intensamente todo esse tempo e o primeiro 1º de Maio foi , até hoje, o mais emocionante e indelével dia da minha vida enquanto cidadã.
ResponderEliminarQuerida amiga, grato abraço pelo interessantissimo testemunho .
Bom fim de semana
Oi, Odete!
ResponderEliminarLi todo o seu testemunho de um fato que marcou a vida de todos os portugueses. Cá deste lado,em 1974, ainda vivíamos sob um regime militar, que comparados com os dias atuais, chega-se a sentir-se saudade daqueles dias! A Revolução os Cravos, creio, recolocou Portugal no caminho da Democracia, certo? Tive a oportunidade de conhecer um casal que em 1979 veio para cá, tendo deixado todos seus bens confiscados em Portugal! Não sei se havia relação com a revolução, mas, foi um ato político. Beijos e bom final de semana!
Querida Odete,
ResponderEliminarGrata pela partilha destes teus textos-artigos. Uma preciosidade
de dados e teu testemunho na tua excelente narrativa.
Que maravilha, seres uma fiel filha do 25 de Abril de 1974:
"Da luta mental passei a uma luta ativa".
Adorei a leitura de todos os teus textos e te parabenizo com a
tua história.
Beijos.
Estava a fazer escolta ao comboio mala em Angola. Fui informado uns dias depois.
ResponderEliminarBjs